O governo Bolsonaro perdeu o ímpeto das reformas. É normal,
mas após o segundo ano de governo. Entretanto, a pandemia antecipou a inércia.
E, se levarmos em conta o papel coadjuvante que representou na reforma da
Previdência, o presidente Jair Bolsonaro nunca teve muita motivação para
protagonizar as reformas econômicas. Sua agenda prioritária sempre foi outra, o
conservadorismo nos costumes, que também anda encalhado no Congresso, e o
fortalecimento do Executivo em relação aos demais Poderes, como fato consumado
na política. Se ainda houver alguma reforma este ano, será a tributária, na
qual as propostas em discussão na Câmara e no Senado são mais ambiciosas do que
o projeto apresentado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, para embrulhar a
recriação do imposto sobre operações financeiras. Uma solução simples para um
problema muito mais complexo, que seria modernizar o nosso sistema tributário
para torná-lo mais eficiente, equilibrado para os entes federados e mais justo,
socialmente.
Entre os economistas, há uma compreensão quase unânime de
que a dívida pública, se nada for feito, trará de volta a inflação no próximo
ano (o termômetro é o câmbio), que somente não está acontecendo por causa da
recessão e do desemprego. Mesmo economistas como Samuel Pessoa e Armínio Fraga,
que defendem políticas de austeridade fiscal, já admitem a criação de um novo
imposto para evitar o colapso do governo federal no próximo ano. A alternativa
que está se discutindo, a partir da proposta de Guedes, é a volta da CPMF. A
tese é ampliar a base de arrecadação para ter a menor alíquota do imposto. Com
isso, o governo espera resolver seu problema de caixa e evitar a insolvência.
Como aconteceu na reforma da Previdência, uma reforma
tributária depende muito mais da Câmara e do Senado do que do empenho do
Palácio do Planalto. O projeto encaminhado por Paulo Guedes não tem nada a ver
como isso: seu foco é a falta de caixa. Por causa da pandemia, o governo está
quebrado e não tem recursos para implantar o programa Renda Brasil, que
substituirá o Bolsa Família, menina dos olhos de Bolsonaro para sua reeleição.
Na pauta da Câmara e do Senado, respectivamente, as PECs 44 e 110 são outra
coisa: uma reforma tributária de verdade.
Diferenças
A PEC 45/2019, elaborada por Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania
Fiscal, tem como relator o deputado Baleia Rossi (SP), presidente do MDB. É
defendida também pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que pretende aprovar
a reforma tributária antes de deixar o comando da Casa. O ponto central do
projeto é a substituição de cinco tributos por um único imposto, que seria
chamado de imposto sobre bens e serviços (IBS). O modelo é inspirado em
sistemas utilizados em outros países, que reúnem em um único imposto sobre
valor adicionado (IVA) toda a tributação sobre o consumo, com uma alíquota
uniforme. Economistas como Samuel Pessoa defendem a proposta.
A PEC 110/2019, de autoria do ex-deputado Luiz Carlos Hauly,
em discussão no Senado, porém, tem a preferência dos tributaristas, porque
promove uma simplificação tributária mais ampla, unificando nove impostos. A
PEC, porém, facilita a concessão de incentivos fiscais a alguns setores
produtivos e atividades econômicas específicas — como de alimentação básica,
saneamento básico, educação infantil, o que não é bem-visto pelos fiscalistas,
porque gera subsídios cruzados e guerra fiscal.
Voltando ao ponto de partida. O governo não aposta em nenhuma dos dois projetos já em tramitação. Fatiou a sua proposta de reforma tributária, porque o interesse maior de Guedes é sair do sufoco orçamentário. O problema é que essa estratégia mexe com os nervos da equipe econômica, recrutada entre economistas liberais, cuja motivação para participar do governo está longe de ser apenas financeira, é ideológica. Se Guedes jogar a toalha e aderir ao “mais do mesmo”, a equipe implode.
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