Quando se divulgou a gravação na qual o então senador Romero
Jucá falava em “estancar a sangria”, foi um escândalo. Mas hoje o que o
procurador-geral da República faz é o que Jucá tinha em mente. De um lado,
Augusto Aras realiza a sua explícita ofensiva contra Curitiba e a Lava-Jato, de
outro, enfraquece a Polícia Federal. Aras estimula o temor da existência de um
Estado policial montado no MP, quando o perigo real está sendo instalado no
Ministério da Justiça com sua lista de monitorados.
Aras aproveita uma preocupação da sociedade brasileira de
que a Lava-Jato teria ultrapassado os seus limites. É um sentimento legítimo.
Na democracia não se pode admitir a quebra de regras nem para o mais justo dos
propósitos. Mas essa supervisão tem que ser feita pelo sistema judiciário, sem
se subverter a natureza do Ministério Público. O MP não convive com a
centralização que Aras tenta impor, porque ele não é órgão da burocracia que
tenha hierarquia explícita. O procurador-geral é chefe do MP, mas não pode
tirar a autonomia dos procuradores. Não é o comandante de uma tropa. Mas é o
que está tentando ser.
A Lava-Jato ameaçou toda estrutura política, e parte
importante do mundo empresarial, com as investigações que mostraram a troca de
financiamentos ilegais por favores dos detentores de cargo ou de mandatos
públicos. Por isso, com esse movimento ele alivia muita gente. Principalmente o
presidente que o escolheu e que pode nomeá-lo ministro do Supremo. O que Aras
está fazendo não é correção de rota, mas sim o desmonte do edifício que
investigou a corrupção. Ele alega que está agindo em nome da transparência,
quando seus atos não têm qualquer clareza.
Enquanto isso, no Ministério da Justiça, como vem revelando
em seu blog no Uol o jornalista Rubens Valente, está sendo montada uma
estrutura para investigar servidores públicos, policiais e intelectuais que se
declaram antifascistas. A Rede pediu ao STF que impeça o governo de continuar
com essa estranha investigação. O deputado Eduardo Bolsonaro reagiu postando em
seu Twitter uma frase que mostra, em poucos toques, várias distorções deste
governo. “Ué querem que o governo tenha em seus quadros pessoas ligadas ao
movimento Antifa?” O filho do presidente acha que é errado ser contra o
fascismo. O bom seria ser fascista? Está convencido de que a máquina do Estado
pertence ao governo Bolsonaro. Portanto, nela não podem trabalhar os servidores
que não estejam alinhados com o pensamento dos atuais governantes. De acordo
com a primeira das colunas de Valente sobre o assunto, há um dossiê de 579
pessoas, com nomes, fotos e endereços feitos pela Secretaria de Operações
Integradas do Ministério da Justiça. O relatório registra que há “policiais
formadores de opinião que apresentam número elevado de seguidores em suas redes
sociais, os quais disseminam símbolos e ideologias antifascistas”.
O Ministério da Justiça considera suspeito o fato de alguém
ser antifascista. O filho do presidente acha que eles não podem estar no
governo. Então esses policiais espionados devem ser demitidos por disseminarem
tal ideologia? Há momentos em que o país parece ter sido tragado por uma
inversão total dos valores. Na ditadura havia em todos os ministérios, órgãos,
autarquias e universidades departamentos que vigiavam servidores, alunos,
professores. Eram os inúmeros braços do Serviço Nacional de Informações (SNI).
Esse é o perigo real.
Aras está preocupado é com a Lava-Jato. De um lado, quer
enfraquecer a Polícia Federal e por isso reaviva uma velha disputa de poder que
já havia sido arbitrada pelo Supremo. De outro, afirma que a Lava-Jato é uma
“caixa de segredos”, que tem dados de milhares de pessoas medidos em terabytes.
Conseguiu levar todas as informações para Brasília e diariamente diz algo para
quebrar a confiança no trabalho dos procuradores.
O presidente Jair Bolsonaro jamais teve como bandeira a luta contra a corrupção. Usou-a para se eleger, mas sempre quis limitar as investigações, principalmente as que se aproximam de sua família. O gravador do ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado captou uma conversa com Romero Jucá em que ele propunha um pacto para estancar a sangria desatada pela Lava-Jato. Isso é o que Aras está conseguindo.
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