Se o capitão Bolsonaro evitasse confrontos irracionais, seu
governo mostraria a confusão em que está. Não tem ministro da Saúde, pasta que
está com um interino, e na sexta-feira chegou ao quinto titular da Educação.
Dois episódios ilustram essa anarquia.
No dia 21 de maio, quando já se estava no patamar de mil
mortos por dia pela Covid e a pandemia já havia matado 20.047 pessoas, a juíza
Gabriela Hardt, da 13ª Vara Federal de Curitiba, mandou um ofício à Casa Civil,
oferecendo R$ 508 milhões dos cofres da Lava-Jato para remediar a situação.
Pedia apenas que lhe dissessem para onde o dinheiro deveria ir. Nada.
Gabriela Hardt reiterou a oferta a 17 de junho, e a Casa
Civil respondeu apenas que havia recebido os dois ofícios. No dia seguinte o
Ministério da Saúde informou que estava estudando o caso. Nessa altura
batera-se a marca do milhão de infectados e 48.426 mortos.
Na semana passada o dinheiro continuava esperando um
destino. Os mortos chegam a 70 mil.
(Em meados de abril o Itaú Unibanco anunciou que doaria R$ 1
bilhão para o combate à pandemia. Partindo do zero, criou um conselho, buscou
iniciativas e já entregou mais de R$ 156 milhões. Foram 16 milhões de máscaras,
cinco milhões de testes rápidos, 190 respiradores, cestas básicas para sete mil
famílias, mais doações à Fiocruz e a hospitais de campanha em São Paulo.)
Durante todo esse tempo esteve natimorto na Casa Civil o tal
“Plano Marshall” do ministro-general Braga Netto, reciclado com o nome de
Pró-Brasil e detonado pelo doutor Paulo Guedes na fatídica reunião de 22 de
abril com poucas palavras: “Não chamem de Plano Marshall, porque revela um
despreparo enorme”.
O problema não está apenas no despreparo, mas na inércia
produzida pela inépcia.
Sai Weintraub, entra Mendonça
Com a saída de Abraham Weintraub do Ministério da Educação, o doutor André
Mendonça atropelou por fora e ultrapassou Ricardo Salles, tomando a dianteira
para a condição de ministro com a maior carga folclórica.
Depois de avançar sobre o chargista Aroeira e o repórter
Ricardo Noblat, o ministro da Justiça requisitou à Polícia Federal a abertura
de um inquérito contra o colunista Hélio Schwartsman por ter escrito o artigo
“Por que torço para que Bolsonaro morra”.
Mendonça invoca o artigo 26 da Lei de Segurança Nacional,
que prevê a reclusão de um a quatro anos para quem “caluniar ou difamar o
Presidente da República”.
Desejar a morte de alguém não é calúnia nem difamação. Se
fosse, o deputado Jair Bolsonaro deveria ter sido enquadrado em 2015, quando
desejou que Dilma Rousseff terminasse seu mandato “infartada ou com câncer, de
qualquer maneira”.
Além disso, Bolsonaro tem uma relação amigável com a morte
dos outros. Como ele mesmo já disse, “lamento, todo mundo morre”.
Em nome da segurança nacional encarceraram-se milhares de
pessoas, entre elas o historiador Caio Prado Júnior e o escritor Graciliano
Ramos. As iniciativas de Mendonça podem ter agradado a Bolsonaro, seu
“profeta”, mas estão condenadas a se transformar em vexames jurídicos. Darão
uma linda oportunidade profissional aos advogados que tomarem a defesa de
Aroeira, Noblat e Schwartsman.
Os grampos da Lava-Jato
As lendas de Brasília prosperam na medida em que contém grandes mistérios.
No confronto da Procuradoria-Geral da República com a Lava-Jato caiu uma delas,
a dos grampos de Curitiba armazenados num sistema Guardião, poderoso software
de escuta usado inclusive pela Polícia Federal.
Por algum motivo, o procurador-geral Augusto Aras acreditou
que a Força-Tarefa ouvia gente com o Guardião. (Nessa construção, as gravações
teriam desaparecido.)
Até que surja uma prova convincente, essa história é uma
mentira que começou a circular em 2015.
Documentadamente, em 2016 a equipe de Curitiba comprou um
equipamento que gravou ligações feitas para seus telefones. Coisa parecida com
os sistemas de muitas empresas. As máquinas e os serviços correlatos custaram
R$ 58.480. (Um Guardião sai por mais de R$ 400 mil.)
Além disso, gravar é fácil, ouvir e transcrever os grampos
exige um volume de mão de obra que Curitiba nunca teve.
Fica combinado que quem falar nos Guardiões da Lava-Jato sem
apresentar provas estará passando adiante uma mentira.
Cadê, Guedes?
O ex-deputado Bruno Araújo pegou leve ao cobrar do ministro Paulo Guedes o
futuro e as reformas que oferecia: “Cadê o Brasil novo que o atual ministro
tanto promete e nunca entrega?”.
Faltou perguntar a Guedes onde foi parar aquele seu amigo
inglês que em abril ofereceu-lhe 40 milhões de testes para Covid por mês.
Estatais imortais
Desde 2008 a Viúva sustenta o Centro Nacional de Tecnologia Avançada
(Ceitec). Entre outras atribuições, ela seria uma estatal fabricante de chips.
A repórter Luísa Martins informa que fracassou a tentativa do ministro Paulo
Guedes de liquidá-la.
A primeira fábrica de circuitos integrados brasileira surgiu
em 1978, com o óbvio amparo da Boa Senhora. De lá para cá a Apple virou a
Apple, Bill Gates tornou-se um bilionário com a Microsoft e os chineses da
Lenovo compraram a operação da IBM no país, mas os chips nacionais nunca
emplacaram.
As estatais, como o Fantasma da Selva, são imortais. A
Valec, que deveria operar o trem-bala, ligando o Rio a São Paulo em três horas,
vai bem, obrigado. O governo dizia que o trem estaria rodando na Copa de 2014,
mas o seu projeto foi transferido para outra estatal, a EPL. A ideia do
trem-bala sumiu, mas a estatal continua lá.
Gabinete do Ódio
A poda que o Facebook impôs à rede do Gabinete do Ódio levará a
investigação da usina de mentiras para a antessala do capitão. Seu assessor,
Tércio Arnaud Thomaz, é quase uma sombra dos Bolsonaro. Ele operava as redes
“Bolsonaro Opressor”. Um exemplo saído de seu conteúdo: “Para quem pede
Dallagnol na PGR… O cara é esquerdista, estilo PSOL”.
Aos 32 anos, Arnaud fez uma carreira meteórica. Saiu de
Campina Grande (PB) para a campanha dos Bolsonaro e dela para o Planalto. Há
meses ele caiu no radar do ministro Alexandre de Moraes.
O Facebook derrubou 88 contas, e a documentação que levou a
empresa a tomar essa decisão está disponível para os investigadores.
Brooks Brothers
Entrou em recuperação judicial a Brooks Brothers, a mais antiga loja de
roupas dos Estados Unidos. Ela vestiu 41 dos 45 presidentes americanos, de
Lincoln a Obama. A capa preta que Franklin Roosevelt usou em 1945 na
conferência de Yalta saiu da loja da Madison Avenue. Seus vendedores eram
bestas, mas neste século tomaram jeito.
A loja fez fama numa época em que preço e qualidade
determinavam o prestígio de uma marca. A epidemia das grifes abalou-a, e a
Covid derrubou-a.
Tomara que se recupere.
Gabeira e as alas
Fernando Gabeira disse tudo quando mostrou seu espanto diante da frequência
com que se fala em “ala ideológica”, “ala militar” e “ala pragmática” no
Palácio do Planalto:
“Parece escola de samba.”
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