O que existe de governança do Brasil é uma resultante do
desgoverno de Jair Bolsonaro, de um anteparo na Câmara e de surtidas do Supremo
contra desbordamentos do bolsonarismo. Diga-se “governança” por conveniência e
brevidade, para dar um nome ao que resulta do salseiro. Não é governo, que
inexiste, nem equilíbrio de Poderes. É uma bruxa inacreditável, mas que existe.
Esse esquema de governança improvisada, por informe,
gelatinoso e variável que seja, deve mudar a partir do começo do ano que vem
com a eleição dos novos (ou não) presidentes da Câmara, em especial, e do Senado.
Vai definir se a Câmara continua como um anteparo das exorbitâncias do governo
e dar uma medida mais precisa do apoio que Bolsonaro tem no Congresso (se é que
quer mesmo algo assim, tão normal).
Essa eleição começou. Ou, melhor, começa o rearranjo de blocos
partidários que vão apoiar este ou aquele candidato. O DEM do presidente da
Câmara, Rodrigo Maia, e o MDB fizeram questão de se separar do bloco formal de
partidos que incluía a geleia do centrão. Com eles, o PSDB deve compor uma
troica, embora outras adesões sejam possíveis. Os três partidos juntam 74 dos
513 deputados.
Parece pouco, mas não é lá bem assim. O grupo de
parlamentares tidos como mais à esquerda não tem o que fazer a não ser aderir a
quem não seja bolsonarista ou ficar fora do jogo (uma estupidez sem sentido
prático, político ou interesseiro, pois teriam ainda menos poder de ocupar
qualquer posição de relevância na Câmara). Juntam uns 140 deputados, por aí. A
troica e a “esquerda” somam, pois, mais de 210 parlamentares.
É o grupo que poderia levar adiante uma versão do
“parlamentarismo branco” que colocou alguma ordem na política politiqueira de
Brasília, negociou, relatou e aprovou projetos relevantes e rejeitou desmandos
piores do Planalto. Foi o que restou de governança sensata do país, goste-se ou
não de seus projetos e programas.
O que sobrou do blocão antes integrado por DEM e MDB é mais
ou menos o que se chama de centrão, 158 parlamentares. Esse bloco ainda pode
rachar, tendo em vista a eleição da Câmara (fevereiro de 2021), e deve contar
com agregados do PSL (parte bolsonarista, parte não, parte talvez) e seus 41
deputados, e do Republicanos, 33 deputados, que vem a ser o partido da Igreja
Universal. Esses partidos têm uns três candidatos a princípio viáveis.
Decerto essas continhas são demasiadamente certinhas no
mundo ainda mais gelatinoso de uma Câmara em que inexiste uma coalizão de
governo e no qual mais de 70% dos deputados se dividem ideologicamente entre
conservadorismo, extremo conservadorismo e extrema direita. São continhas ainda
mais precárias em um Congresso de fragmentação partidária recorde e de legendas
que começam a pensar em fusões e aquisições tendo em vista a ameaça da cláusula
de barreira, em 2022.
Mas é dessas danças do acasalamento infiel é que deve sair a cara do comando improvisado do país. Na disputa da Câmara vai ficar mais claro o tamanho do bloco da boquinha bolsonarista, instável, mas relevante para saber das possibilidades ora remotas de impeachment e dos riscos de serem aprovados projetos “passa a boiada” pelo país. A disputa está muito no começo. O governo mal passou a jogar o jogo da coalizão, do qual tenta participar desde abril. Na verdade, nem se sabe se vai ser esse o jogo, o de uma normalização política, business as usual. Mas as cartas estão indo para a mesa.
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