O Ministério da Defesa não encontrará vontade de brigar no
gabinete do ministro Gilmar Mendes. Por isso, se o procurador-geral da
República, Augusto Aras, fizer a representação contra o ministro, ele
simplesmente prestará as explicações pedidas. Dirá que não quis imputar crime
ao Exército, mas apontar um problema que, na visão dele, está acontecendo. Para
os militares, a declaração do ministro Gilmar Mendes pesou demais porque ele
disse que o Exército estaria se associando “a esse genocídio”.
As Forças Armadas estão convencidas de que eles estão
fazendo o máximo que podem para combater a pandemia, com 34 mil efetivos
dedicados às diferentes frentes de trabalho. Elas se sentem injustiçados, e por
isso a nota contra o ministro Gilmar Mendes foi assinada não apenas pelo
ministro da Defesa, mas pelos comandantes do Exército, da Marinha e
Aeronáutica.
Na live da revista “Isto É”, da qual participou o ministro
Gilmar Mendes, todos os painelistas criticaram bastante a omissão do Ministério
da Saúde nesta pandemia que já deixou um rastro de 72 mil mortos. A crítica foi
exatamente à anulação de quadros técnicos do Ministério. O general Eduardo
Pazuello é da ativa e existem outros 28 militares na Saúde. Um deles, o
secretário-executivo, é coronel da reserva, Antônio Élcio Franco, e
protagonizou a cena lamentável da humilhação de um garçom.
Quando os militares ocupam postos-chaves no governo, e vão
até a manifestações, que além de faixas antidemocráticas tiveram também a
mensagem anti-isolamento social, eles estão colocando em risco sua imagem. O
próprio ministro Pazuello compareceu a um desses atos. No Ministério da Saúde,
no meio de uma crise, ele tem avalizado as decisões do presidente da República.
Isso tudo afeta a imagem dos militares. Mas a visão dos militares é a do
vice-presidente Hamilton Mourão, de que o ministro teria ultrapassado o limite.
O evento já estava quase no final quando o jornalista
Germano Oliveira passou a palavra ao ministro Gilmar Mendes. Ele disse que o
“apagão do Ministério da Saúde” era grave. Disse que o Supremo fez o que lhe
competia. Lembrou que o ministro Alexandre de Moraes permitiu a atuação do
governo, “ao admitir a suspensão dos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal,
dando segurança para ações governamentais”. Lembrou mais uma vez a natureza do
voto do STF sobre a responsabilidade pelo combate à pandemia: ela é
compartilhada pela União, estados e municípios. Bolsonaro tem insistido que
toda a responsabilidade foi dada pelo STF aos estados e municípios:
— Queria encerrar dizendo que somos uma das maiores nações
do mundo. Vejo aqui em Portugal toda hora notas ruins em relação ao Brasil, ao
nosso processo civilizatório. É altamente constrangedor. As pessoas perguntam:
o que aconteceu com o Brasil? O país que sempre nos trouxe lições de soft power
e de civilização. Há um direito muito discutido, que é o direito à boa
governança, não podemos mais tolerar essa situação que se passa no Ministério
da Saúde. Pode ter estratégia e tática em relação a isso, mas não é aceitável
que se tenha esse vazio no Ministério da Saúde.
Pode-se dizer que a estratégia é tirar o protagonismo do
governo federal e atribuir a responsabilidade aos estados e municípios. Se for
essa a intenção, é preciso fazer alguma coisa, é ruim, é péssimo. Para a imagem
das Forças Armadas, é preciso deixar de maneira muito clara, o Exército está se
associando a esse genocídio, não é razoável para o Brasil.
A um interlocutor com quem o ministro conversou ontem, ele
disse ser “insuspeito de ser anti-militarista”, mas está convencido que as
“Forças Armadas estão assumindo uma responsabilidade que não deveriam”. Ao ir
além da nota, e pedir a ação da Procuradoria-Geral da República, os militares
mostram que querem uma retratação.
O general Pazuello aceitou um papel ingrato. Ele assumiu, mas é interino. A interinidade dá a impressão de vazio no comando. Sua presença e a de todos os outros oficiais militarizaram o órgão. O Ministério passou a seguir as recomendações do presidente em relação à pandemia. O que Bolsonaro buscava era um ministro que o seguisse cegamente. Nenhuma instituição deveria pôr a sua reputação a serviço dessa política de Bolsonaro para a saúde, pelo simples motivo de que ela está errada.
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