Nenhum analista político pode cravar, é cedo, mas
evidentemente as chances de Donald Trump perder a eleição em novembro parecem
bastante razoáveis. Neste momento, as pesquisas apontam que ele está pelo menos
dez pontos percentuais atrás de Joe Biden, o candidato democrata a presidente
dos Estados Unidos. Desde o início da pandemia de coronavírus, que teve um
efeito devastador sobre a sua liderança, Trump vem perdendo apoios e ganhando
antipatias. Os erros em sequência cometidos no enfrentamento do vírus e a
deterioração da economia foram os principais elementos para turvar a impressão
que os americanos têm de seu presidente.
Sua única possibilidade de reverter o quadro é ver as coisas
mudarem daqui até novembro, mês da eleição americana. Para sua sorte e azar do
mundo, já há sinais de que estão mudando. Na economia, a recessão aparentemente
acabou ainda em abril. Em junho, mais de quatro milhões de empregos foram
criados nos EUA. As vendas no varejo cresceram 25% nos últimos dois meses. Uma
recuperação importante, que não foi vista em nenhum outro país, mesmo os que já
vivem a pós-pandemia. Outros indicadores puxados por estes dois também
melhoraram no final do primeiro semestre.
Além de apontar para a pujança da maior economia do mundo,
os dados mostram que Trump não está morto. Crescimento econômico com criação de
emprego é cabo eleitoral de primeira grandeza em qualquer lugar. Muitos
eleitores votam com o bolso, com a geladeira cheia, com o carro na garagem, com
a hipoteca da casa paga. Mas há um outro elemento no qual o republicano aposta.
Trata-se do voto dos que Trump chama de seus “eleitores invisíveis”. São, na
verdade, os envergonhados, que votam num determinado candidato porque
intimamente se identificam com ele, mas publicamente não conseguem assumi-lo.
Para seus eleitores conservadores Trump mantém a política de
permanente confronto com os manifestantes do “Black Lives Matter”. Estes chamam
manifestação de baderna e não se importam com a truculência policial contra
negros. Embora não admitam publicamente, muitos concordam com a tese dos
supremacistas, são racistas e querem manter a dominância branca na política e
na economia. Os envergonhados por vezes dizem o oposto, mas no escuro do seu
âmago odeiam manifestações e manifestantes. O envio de tropas federais para
conter distúrbios em Portland, no Oregon, na segunda-feira, teve esse cálculo
político. Trump quis mostrar ao seu eleitor que continua sendo Trump.
Aos demais, tenta pintar um novo autorretrato. O mais
inusitado foi apresentado na semana passada aos jornalistas que cobrem a Casa
Branca, durante entrevista sobre o coronavírus. Trump entrou sozinho na sala de
briefing, fez uma breve declaração sobre a situação do dia e abriu para perguntas.
E então, surpreendentemente, respondeu a cada uma delas sem arrogância, sem
ataque a jornalistas, sem ódio. Falou de maneira tranquila e respondeu a todas
de modo correto, como deve ser feito, civilizadamente, mesmo as mais venenosas.
Estava introduzindo um novo elemento na campanha, que por ora pode ser chamado
de Trumpinho Paz e Amor.
Além disso, duas vacinas contra a Covid em testes finais em
laboratórios americanos podem estar disponíveis ainda em setembro ou outubro.
Será seu último trunfo contra Biden. O tempo dirá, mas a chance de Trump
receber das urnas um segundo mandato não pode ser descartada tão cedo, apesar
da enorme vantagem de seu oponente. E se ele ganhar, os desdobramentos
políticos impactarão todo o mundo.
No Brasil, claro, fortaleceria Bolsonaro. O problema para o capitão reside na derrota de Trump. Ele teria de explicar aos democratas o apoio tão descarado quanto indevido que deu ao presidente republicano. Na verdade, mais do que isso, foi “vergonhoso e inaceitável”, como reclamou anteontem o deputado democrata Eliot Engel, presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara dos Deputados. Referia-se a um dos três zeros de Bolsonaro, que publicou em redes sociais vídeo da campanha de Trump atacando Biden.
Nenhum comentário:
Postar um comentário