quinta-feira, 23 de julho de 2020

O BRASIL É MELHOR ASSIM

Ascânio Seleme, O GLOBO

Há 37 dias os brasileiros não ouvem uma ameaça ou uma bravata do presidente da República. A última foi em 17 de junho, na véspera da prisão do queridinho Fabrício Queiroz, quando Bolsonaro falou a apoiadores na porta do Alvorada sobre a quebra de sigilos de parlamentares da sua base. Ele reclamou do Supremo Tribunal Federal pela medida e acrescentou: “Eles estão abusando. Está chegando a hora de tudo ser posto no devido lugar”. Foi o seu último rompante antidemocrático. Seu isolamento em razão da contaminação pela Covid-19 também contribui para o silêncio.

Desde então não ocorrem mais aquelas rotineiras e ridículas manifestações a favor do fechamento do Congresso e do Supremo e pela intervenção militar com Bolsonaro no poder. Se havia alguma dúvida, ela não existe mais. Era mesmo o presidente, seus três zeros e o resto da sua turma do ódio que incentivavam e indiretamente organizavam aquelas aglomerações em frente à rampa do Planalto. Com o capitão mudo, os “manifestantes” recolheram suas bandeiras e faixas e sumiram. Também não se ouve mais falar dos “300 do Brasil”, que não eram nem 30 e tinham como líder a patética Sara Giromini.

Sem as asneiras do capitão, o governo continua sendo ruim, mas deixou de ser ele próprio um elemento desestabilizador da harmonia entre os demais poderes constituídos. Vida que segue. Não se pode pedir a Bolsonaro mais do que isto, embora a demissão de Ernesto Araújo e Ricardo Salles ajudasse. O fato é que sua pauta conservadora foi eleita com ele, sua política econômica foi explicitada aos eleitores ainda na campanha, quando ele apresentou o seu Posto Ipiranga ao país. Cabe ao presidente tentar aprová-las no Congresso Nacional. Uma questão normal de um governo normal que joga de acordo com normalidade democrática.

A aprovação da sua pauta é outra questão. Na verdade, um problema político para ele. A base original do governo no Congresso é pequena, desarticulada e fisiológica. Os parlamentares que seguem apoiando Bolsonaro, depois das muitas caneladas que ele deu em aliados desde que tomou posse, sofrem derrotas seguidas e agem muitas vezes como cegos em meio a um tiroteio. Seus discursos são desalinhados e muitos querem apenas mostrar a cara, fazer presença, pouco se importando com aprovação ou rejeição de matérias do governo. Os quadros com um pouco mais de tutano saíram ou foram expelidos da base.

O governo perdeu quase todas as questões que levou ao Congresso. Numa lista rápida é obrigatório citar a ampliação do acesso ao Benefício de Prestação Continuada; a flexibilização do orçamento impositivo obrigando o governo a executar as emendas das bancadas estaduais; a ajuda aos Estados e municípios sem a obrigatoriedade de não aumentar salários de todos os servidores; a rejeição do “Plano Mansueto”; e a devolução do Coaf para a Economia. Na reforma da Previdência, caiu o sistema de capitalização sonhado por Guedes, e os arranjos no Congresso reduziram a economia em dez anos de R$ 1,1 trilhão para R$ 800 bilhões.

As muitas derrotas obrigaram Bolsonaro a buscar apoio do Centrão, o que o levou a engolir uma das suas mais emblemáticas promessas de campanha, a de jamais negociar cargos em troca de apoio no Congresso. Mas essa turma também parece servir pouco para aprovar projetos. Nesta semana, mais uma vez o governo perdeu, agora na tentativa esdrúxula de desviar recursos do Fundo de Manutenção e Assistência da Educação Básica (Fundeb) para fazer assistencialismo político. Perderam Guedes e o deputado Arthur Lira, um dos líderes do bloco, que quis adiar a votação quando percebeu que não levaria. A votação não foi adiada, e o Fundeb foi aprovado com 499 votos a favor e sete contra.

O Brasil é melhor assim, sem um presidente falastrão. O problema é saber se vai durar. Tem gente que aposta que não, sobretudo porque algumas contas que ele e seus zeros devem à Justiça já foram emitidas e mais cedo ou mais tarde vão chegar.

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