A derrota do governo na votação da emenda constitucional do
fundo de desenvolvimento da educação básica (Fundeb) não pode ser reduzida
apenas a uma vitória política da Câmara, tem um significado maior. Um governo
que passou seu primeiro ano e meio demonizando a política, e de repente dá meia
volta volver sem uma explicação lógica – embora ela esteja ligada aos
inquéritos que investigam o presidente e sua família em diversas áreas do
Judiciário -, não pode ter a garantia de apoio tão forte quanto aquele que luta
por um programa. Na verdade, o Congresso abraçou esse programa fundamental para
a educação incentivado pela ação de organismos da sociedade civil.
A perpetuação do novo Fundeb, e o aumento da participação do
governo nos repasses financeiros impostos pela Câmara, são típicos de um
programa social que visa o futuro do país, não de um governo que passa mais de
ano sem interceder no debate político que já vinha se desenrolando no
Congresso, e tenta melar decisões tomadas após amplas discussões parlamentares.
A derrota do governo foi acachapante, a PEC foi aprovada nos
dois turnos praticamente por unanimidade na Câmara, com apenas 7 votos contra
no primeiro turno e 6 contra no segundo. O governo havia proposto aumentar o
repasse da União de 10% para 23% do total dos recursos do Fundeb, com aumento
escalonado a partir de 2022. O próximo ano ficaria sem verba destinada ao
Fundeb, o que seria uma irresponsabilidade diante da necessidade de recuperar o
ensino quase paralisado no ano da pandemia.
Mas queria repassar 5% para famílias em situação de
vulnerabilidade com crianças de até 5 anos inscritas no Renda Brasil, como se
fosse um auxílio-creche. Os deputados não aceitaram essa manobra da equipe
econômica, que na verdade queria aproveitar uma verba já aprovada para compor o
Renda Brasil. Agora, terá que encontrar outro lugar para arranjar o dinheiro do
novo programa social, e o repasse governamental acabou sendo maior, para o bem
da educação.
Não foi à toa que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, se
emocionou com o agradecimento da relatora da PEC, deputada professora Dorinha,
pelo seu empenho na aprovação. O líder da base do governo, Arthur Lira,
disputava nessa votação a influência que pretende ter na sucessão de Maia em
janeiro, mas não conseguiu mobilizar a suposta base governista para retardar a
votação, como queria o Palácio do Planalto. Nem mesmo o centrão dignou-se a
apoiar a pretensão do governo de repassar 5% do novo fundo para o programa
Renda Brasil.
Na teoria, essa transfusão de verbas seria benéfica para o
governo e sua base, que poderiam alardear a criação desse Bolsa-Família 2,
tentando tirar do PT a predominância das ações sociais, especialmente no
nordeste. O auxílio emergencial de R$ 600 durante a pandemia está ajudando
milhões de brasileiros a sobreviverem, e também a sobrevivência da popularidade
do presidente Bolsonaro, cujo apoio, assim como aconteceu com o PT, passou a
ser maior entre os mais necessitados, perdida a classe média, desapontada mais
um vez.
Assim como o PT pegou os programas sociais do PSDB,
unindo-os no Bolsa-Família, o maior instrumento eleitoral dos últimos tempos.
Nada mal para o país, que vem desenvolvendo programas sociais aperfeiçoados. O
Renda Brasil vai ter uma porta de saída para seus beneficiários, que era uma
falha do Bolsa-Família.
Mas compor um programa social retirando verba de outro, que ajudou a educação do país a dar um salto de qualidade, seria uma fraude. O Fundeb teve origem no Fundef, de apoio ao ensino fundamental, nascido no governo do PSDB. Ampliou seu escopo no governo do PT, e agora tornou-se um programa permanente, sem necessidade de renovação anual. Esses exemplos são exceções positivas na mania brasileira de um governo derrubar tudo o que o antecessor fez, embora nenhum atribua ao que o antecedeu a origem do programa, o que pode ser considerado “do jogo”. Aos trancos e barrancos, e mesmo sem querer, vamos evoluindo em certas áreas, a despeito do governo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário