quinta-feira, 23 de julho de 2020

SINAL DE ALERTA

Merval Pereira, O GLOBO

A derrota do governo na votação da emenda constitucional do fundo de desenvolvimento da educação básica (Fundeb) não pode ser reduzida apenas a uma vitória política da Câmara, tem um significado maior. Um governo que passou seu primeiro ano e meio demonizando a política, e de repente dá meia volta volver sem uma explicação lógica – embora ela esteja ligada aos inquéritos que investigam o presidente e sua família em diversas áreas do Judiciário -, não pode ter a garantia de apoio tão forte quanto aquele que luta por um programa. Na verdade, o Congresso abraçou esse programa fundamental para a educação incentivado pela ação de organismos da sociedade civil.

A perpetuação do novo Fundeb, e o aumento da participação do governo nos repasses financeiros impostos pela Câmara, são típicos de um programa social que visa o futuro do país, não de um governo que passa mais de ano sem interceder no debate político que já vinha se desenrolando no Congresso, e tenta melar decisões tomadas após amplas discussões parlamentares.

A derrota do governo foi acachapante, a PEC foi aprovada nos dois turnos praticamente por unanimidade na Câmara, com apenas 7 votos contra no primeiro turno e 6 contra no segundo. O governo havia proposto aumentar o repasse da União de 10% para 23% do total dos recursos do Fundeb, com aumento escalonado a partir de 2022. O próximo ano ficaria sem verba destinada ao Fundeb, o que seria uma irresponsabilidade diante da necessidade de recuperar o ensino quase paralisado no ano da pandemia.

Mas queria repassar 5% para famílias em situação de vulnerabilidade com crianças de até 5 anos inscritas no Renda Brasil, como se fosse um auxílio-creche. Os deputados não aceitaram essa manobra da equipe econômica, que na verdade queria aproveitar uma verba já aprovada para compor o Renda Brasil. Agora, terá que encontrar outro lugar para arranjar o dinheiro do novo programa social, e o repasse governamental acabou sendo maior, para o bem da educação.

Não foi à toa que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, se emocionou com o agradecimento da relatora da PEC, deputada professora Dorinha, pelo seu empenho na aprovação. O líder da base do governo, Arthur Lira, disputava nessa votação a influência que pretende ter na sucessão de Maia em janeiro, mas não conseguiu mobilizar a suposta base governista para retardar a votação, como queria o Palácio do Planalto. Nem mesmo o centrão dignou-se a apoiar a pretensão do governo de repassar 5% do novo fundo para o programa Renda Brasil.

Na teoria, essa transfusão de verbas seria benéfica para o governo e sua base, que poderiam alardear a criação desse Bolsa-Família 2, tentando tirar do PT a predominância das ações sociais, especialmente no nordeste. O auxílio emergencial de R$ 600 durante a pandemia está ajudando milhões de brasileiros a sobreviverem, e também a sobrevivência da popularidade do presidente Bolsonaro, cujo apoio, assim como aconteceu com o PT, passou a ser maior entre os mais necessitados, perdida a classe média, desapontada mais um vez.

Assim como o PT pegou os programas sociais do PSDB, unindo-os no Bolsa-Família, o maior instrumento eleitoral dos últimos tempos. Nada mal para o país, que vem desenvolvendo programas sociais aperfeiçoados. O Renda Brasil vai ter uma porta de saída para seus beneficiários, que era uma falha do Bolsa-Família.

Mas compor um programa social retirando verba de outro, que ajudou a educação do país a dar um salto de qualidade, seria uma fraude. O Fundeb teve origem no Fundef, de apoio ao ensino fundamental, nascido no governo do PSDB. Ampliou seu escopo no governo do PT, e agora tornou-se um programa permanente, sem necessidade de renovação anual. Esses exemplos são exceções positivas na mania brasileira de um governo derrubar tudo o que o antecessor fez, embora nenhum atribua ao que o antecedeu a origem do programa, o que pode ser considerado “do jogo”. Aos trancos e barrancos, e mesmo sem querer, vamos evoluindo em certas áreas, a despeito do governo.

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