Hoje faz dois meses que o país está sem ministro da Saúde. Escolhido para ministro interino depois da queda de dois médicos que o antecederam no cargo, o general de brigada Eduardo Pazuello, especialista em logística, enfrenta dificuldades até mesmo para distribuir 46 milhões de testes do Covid-19.
Mais de 20 militares, todos da ativa, ocupam funções chaves
no ministério. Mas nem eles, nem o general produziram até agora algo capaz de
fazer diferença, a não ser para pior. Por ordem superior, tentaram esconder os
números reais da pandemia que matou até ontem mais de 74 mil pessoas e infectou
1,9 milhão.
À falta de meios para enviar aos Estados remédios a tempo e
a hora, o secretário-geral do ministério, um coronel, orientou governadores e
secretários de Saúde a comprar o que lhes falta mesmo a preços superfaturados.
Para não se encrencarem com a Justiça, aconselhou-os a denunciar os que
lucraram com isso.
Genocídio parece uma palavra forte usada pelo ministro
Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, para denunciar um governo relapso
que assiste, inerte, o que se dá quando um vírus tem passe livre para matar
parte da população. Mas quando a inércia é deliberada, é de genocídio ou
morticínio que se trata.
O presidente Jair Bolsonaro não expediu ordem alguma por
escrito para que deixassem o vírus agir em paz. Mas Hitler também não expediu
ordem alguma por escrito para que dessem início à chamada “Solução Final” – o
extermínio em massa de judeus, ciganos, homossexuais e outras minorias na
Alemanha nazista.
O que pretendeu Bolsonaro ao vetar trechos do projeto de lei
aprovado pelo Congresso que garantia aos índios e quilombolas água potável,
material de higiene, leitos hospitalares e de terapia intensiva, ventiladores e
máquinas de oxigenação sanguínea, além de alimentação e auxílio emergencial
durante a pandemia?
Pretendeu ajudá-los, negando-se a lhes garantir as mínimas
condições de sobrevivência? Ou economizar a custa de sua extinção? Nem todos os
judeus da Alemanha que se desejava ariana morreram nas câmaras de gás. Milhares
morreram de fome e de doenças em guetos e campos de concentração.
É o risco que correm, hoje, os povos tradicionais do Brasil,
ou o que resta deles. Mais de 500 índios já morreram vítimas do coronavírus e
dos seus cúmplices. Em ato falho, o general Hamilton Mourão, vice-presidente,
já admitiu: “Se nosso governo falhar, errar demais, essa conta irá para as
Forças Armadas”.
Por que irá se as Forças Armadas são uma instituição de
Estado e não de governo? Porque elas cometeram o erro irreparável de se
confundirem com o governo de um ex-capitão afastado do Exército por indisciplina
e conduta antiética. Um governo destinado a passar à História como perverso,
belicoso e inoperante.
O general Pazuello está diante de um dilema que lhe foi
proposto por seus companheiros de farda: passar à reserva e ser efetivado como
ministro da Saúde, ou deixar o cargo e retornar à tropa. Com isso, os militares
imaginam fortalecer a narrativa de que não são responsáveis pelos desacertos do
governo Bolsonaro.
Ingênua pretensão. Entre os quase 3 mil militares empregados
no governo, quantos ainda estão na ativa? Poderão permanecer na ativa? Por que
os comandantes das Forças Armadas não os põem diante do mesmo dilema que
atormenta Pazuello? Só assim terão condições de sustentar narrativa tão
perecível e enganosa.
Uma narrativa, por favor, para tirar o governo das cordas
Sugestões para www.gov.br
Os militares são bons de narrativas, mas não somente eles,
claro. Em meados dos anos 30 do século passado, um coronel de nome Olímpio
Mourão Filho, integralista de carteirinha, escreveu uma peça de ficção sobre um
complô comunista e judaico para tomar o poder no Brasil.
A peça tornou-se conhecida como O Plano Cohen. E serviu de
pretexto para a instalação no país da ditadura militar do Estado Novo sob o
comando do então presidente Getúlio Vargas que governava desde 1930. Governou
até 1945, quando os militares o derrubaram.
O imaginativo Mourão Filho, já na condição de general, foi
quem em 31 de março de 1964 comandou as tropas que desceram de Juiz de Fora
sobre o Rio, deflagrando o golpe militar que deu ensejo a uma ditadura de 21
anos. Outra vez, para salvar a democracia ameaçada pelo comunismo.
À frente o general Hamilton Mourão(sem nenhum grau de
parentesco com o Mourão que o antecedeu), os militares estão agora em busca de
outra narrativa – essa, que possa salvá-los, e ao governo Bolsonaro, da culpa
pelo crescimento acelerado da devastação da Amazônia, bem tão caro aos
fardados.
Mourão, o vice, foi designado por Bolsonaro para descascar o
abacaxi que poderá afugentar do país grandes investimentos internacionais. “O
Brasil foi jogado nas cordas na questão ambiental”, admite Mourão. Só sairá das
cordas, segundo ele, se apresentar resultados.
Por ora, Mourão ainda insiste em dizer que o Brasil “tem os
melhores números” do planeta em matéria de preservação do meio ambiente (não
cola, mas ele insiste). A culpa é governos passados pelo estágio atual da
degradação da Amazônia (não cola também, mas ele insiste).
Quanto a Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, que
perdeu a interlocução com os governos europeus, esse acabará sacrificado por
falta de serventia. Salles não tem a mínima importância, nunca teve. Faz o que
lhe mandam fazer. Deverá ser empregado em outro lugar.
Em breve, o governo terá de se preocupar com outra
narrativa. O que dizer sobre seu fracasso no combate à pandemia? Atribuir o
fracasso a governadores e prefeitos, não convence. À gripezinha, tampouco. Ao
vírus chinês? A China é o maior parceiro comercial do Brasil. À esquerda? Ela
está fora do poder.
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