Minha mãe era professora dos anos iniciais do ensino
fundamental —à época chamado primário. Sempre trabalhou em escolas públicas.
Sua carreira, que começou nos anos 1930 e terminou três décadas depois, está
registrada em fotografias.
Todas se parecem nos arranjos: uma fileira de crianças
sentadas, seguida de duas outras de meninas em pé. Minha mãe, no centro ou ao
lado do grupo. Nas imagens, as crianças são brancas, sem exceção. Apenas nas
duas últimas podem se ver umas poucas cabecinhas negras.
A escola dos tempos de dona Dinah era pública, mas não
universal. Deixava de fora um número imenso de pobres e negros. Em 1960, mais
de 3/4 da população brasileira tinham até três anos de estudo; só 20% dos
jovens dos 12 aos 15 concluíam o quarto ano. Foi nisso que deu o duradouro
descaso das elites pela educação do povo.
O ensino fundamental se universalizou somente na última
década do século passado. E, embora tivessem diminuído muito, em 2010 ainda
persistiam no ensino médio diferenças importantes entre as taxas de
escolarização de brancos, de um lado, e de pretos e pardos, de outro.
Fatores estruturais —como a intensa urbanização— influíram
naquele resultado positivo. Mas não teriam bastado sem o empenho das forças que
lutaram pela democracia e, no governo, adotaram políticas ativas de reforma da
educação. Das muitas, três merecem destaque. A primeira, aprovada pelos
constituintes, foi a vinculação de receitas dos três níveis de governo com
gastos em educação.
A segunda teve dois momentos: um, a criação do Fundef, na
gestão do ministro Paulo Renato Souza, no governo Fernando Henrique Cardoso; o
outro, a sua transformação no Fundeb, por iniciativa de Fernando Haddad,
ministro da Educação de Lula. A terceira política foi a da criação de um
sistema de avaliação dos diferentes níveis de ensino por meio de provas
aplicadas aos estudantes.
A vinculação constitucional reservou recursos que permitiram
a expansão e manutenção dos sistemas públicos de ensino, hoje atendendo a oito
em dez estudantes.
O Fundef/Fundeb procurou diminuir as desigualdades
regionais, garantindo um gasto mínimo por aluno e reservando uma parte
substancial para remunerar professores. Eles não se explicam por algum viés
estatista de seus idealizadores, mas pelo realismo de quem conhecia bem nossa
experiência de descompromisso com a educação pública. O Brasil paga por ele até
hoje, na qualidade —baixíssima— do ensino oferecido a milhões de jovens. A
vinculação de receitas e o Fundeb não são, nem de longe, responsáveis por essa
tragédia.
*Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.
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