sexta-feira, 24 de julho de 2020

REGIME FISCAL DE UM ESTADO SÓ

Míriam Leitão, O GLOBO

Quando setembro vier, o Rio deve ir ao Supremo Tribunal Federal. No Ministério da Economia a aposta que se faz é que o estado vai judicializar a sua recuperação fiscal. O Rio chegará ao fim do período ainda mais endividado e sem ter vendido sua principal estatal, a Cedae. O secretário de Fazenda garante que o estado cumpriu todas as exigências, em Brasília o entendimento é que não cumpriu e que portanto não poderá haver uma renovação do contrato.

Para ser renovado, o estado teria que apresentar um novo plano de equilíbrio, e ele precisaria ser aprovado em tempo recorde pela equipe técnica do ministério da Economia, com aval do ministro Paulo Guedes e do presidente Jair Bolsonaro. Dificilmente acontecerá.

Três anos após a sua criação, o Regime de Recuperação Fiscal contou com a adesão de um único estado, o Rio de Janeiro, mas mesmo antes da pandemia ele não tinha reequilibrado as suas contas. O Rio deixou de pagar mais de R$ 50 bilhões em dívidas à União — ou com aval do Tesouro — e ainda assim o seu endividamento aumentou em relação à sua receita corrente líquida. O Rio Grande do Sul estava tentando entrar no Regime de Recuperação quando veio a crise. Minas Gerais sequer tentou e foi à Justiça, que suspendeu o pagamento dos juros. Depois, outros conseguiram o mesmo direito. Por fim, todos as parcelas foram suspensas até o fim do ano. Se não fosse isso, o Rio teria que voltar a pagar a sua dívida em 5 de setembro.

Em entrevista à coluna, o secretário de Fazenda do estado, Guilherme Mercês, defende que o Rio cumpriu todos os requisitos na última avaliação feita pelo Conselho de Supervisão do regime fiscal, em junho. Mas no governo federal o entendimento é de que o balanço desses três anos é desfavorável ao estado, e o Rio já deveria ter apresentado um novo plano de reestruturação.

— A lei não é clara. A Procuradoria-Geral de Fazenda Nacional (PGFN) tem o entendimento de que o estado precisa apresentar um novo plano. Já o governo do Rio acredita que a renovação deveria ser automática. E com isso caminha-se para o pior dos mundos, que é a judicialização do tema, como aconteceu com Minas Gerais — afirmou um técnico do governo.

Guilherme Mercês avalia que o estado já cumpre todas as condições para ter a renovação e diz que a lei foi pensada para um período de seis anos, com uma avaliação no meio do caminho, o que aconteceria em setembro.

— Em termos econômico-financeiros, o Rio de Janeiro está mais do que quite. O conselho exigiu R$ 600 milhões de compensações e aprovamos R$ 635 milhões. Estamos com R$ 35 milhões de sobra. Agora, a discussão é jurídica. O nosso entendimento é que o Rio continua tendo as mesmas necessidades para continuar no Regime — explicou.

Para complicar o quadro, com a pandemia, o Congresso autorizou a suspensão do pagamento da dívida de todos os estados à União até o final deste ano. O governo do Rio, dessa forma, foi o único obrigado a cumprir medidas de ajuste fiscal em plena recessão. Mercês diz que o governo Witzel bloqueou o preenchimento de 10.500 cargos públicos dos três poderes no estado e negociou a suspensão no pagamento de royalties que tinha securitizado, o que evitou a antecipação de uma despesa de quase R$ 6 bilhões em dívidas nos anos de 2020 e 2021.

— Todo os estados têm o mesmo benefício, mas só o Rio é cobrado. Esse é um ponto de discussão interessante — afirmou Guilherme Mercês.

Depois de três anos, a venda da Cedae foi empurrada para dezembro deste ano, mesmo mês em que o Rio terá que pagar uma dívida de R$ 4,5 bilhões ao banco francês BPN Paribas. Guilherme Mercês diz que a expectativa é que agora o leilão ocorra, após a aprovação do novo marco do saneamento pelo Congresso. A empresa continuaria estatal, como produtora de água, mas privatizaria a distribuição de água e a coleta e o tratamento de esgoto.

Se tivesse as contas reprovadas pelo Conselho de Monitoramento, o Rio teria que quitar de uma só vez os mais de R$ 50 bilhões que deixou de pagar ao Tesouro. A medida é tão dura que torna a punição praticamente inexequível, no entendimento do próprio governo federal. Caso o programa expire em setembro, as parcelas voltariam gradativamente, mas a partir de janeiro do ano que vem, quando acaba o estado de calamidade pública. A crise fiscal dos estados está longe de terminar.

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