Uma das figuras mais interessantes da política brasileira
foi Francisco Clementino de San Tiago Dantas. Carioca da gema, começou a
carreira pela porta da extrema-direita — após concluir o curso na Faculdade
Nacional de Direito —, em 1932, na Ação Integralista Brasileira (AIB), da qual
se afastou na tentativa de deposição de Getúlio Vargas, em 1938, para se
dedicar à advocacia e à carreira acadêmica. Depois, trabalhou na organização do
Conselho Nacional de Política Industrial e Comercial, órgão ligado ao Ministério
do Trabalho, Indústria e Comércio. Foi vice-presidente da refinaria de petróleo
de Manguinhos por nove anos. Voltou à política para assessorar Vargas no
governo, de 1951 a 1954, participando da criação da Petrobras e da Rede
Ferroviária Federal.
Filiado ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), elegeu-se
deputado federal por Minas Gerais, em 1958, tendo sido nomeado embaixador do
Brasil na ONU, em agosto de 1961. Mas sequer assumiu, por causa da renúncia de
Jânio Quadros, três dias depois. Os ministros militares tentaram impedir a
posse do vice-presidente João Goulart na Presidência, mas enfrentaram forte
resistência popular, liderada pelo então governador do Rio Grande do Sul,
Leonel Brizola, que montou uma rede nacional de emissoras da rádio. A saída para
o impasse foi uma emenda constitucional instituindo o regime parlamentarista,
da qual San Tiago foi um dos articuladores.
Goulart assumiu a presidência em 7 de setembro de 1961,
indicando Tancredo Neves, do Partido Social Democrático (PSD), como primeiro-ministro.
San Tiago foi escolhido para a pasta das Relações Exteriores, dando sequência à
“politica externa independente” de Jânio. Deixou o ministério para disputar um
novo mandato na Câmara. Em janeiro de 1963, um plebiscito determinou, por larga
margem de votos, o retorno ao presidencialismo. San Tiago assumiu o Ministério
da Fazenda, com um programa de austeridade econômica baseado no Plano Trienal,
de Celso Furtado, ministro extraordinário para o Planejamento. O plano previa a
retomada de um índice de crescimento econômico em torno de 7% ao ano, e a
redução da taxa de inflação, que em 1962 chegara a 52%, para 10% em 1965.
A crise que levaria ao golpe de 1964, porém, já estava em
curso. Diante da polarização entre conservadores e reformistas, San Tiago fez
um pronunciamento dramático pela televisão, em que apontava a existência de
“duas esquerdas”: a “positiva”, onde ele mesmo se inseria; e a “negativa”, a
ala esquerda do PTB, encabeçada por Brizola, que se opunha ao Plano Trienal e à
“política de conciliação”. Furtado e Dantas deixaram o governo. Militares,
políticos e empresários organizavam a deposição de Goulart, que pediu ajuda a
San Tiago para formar um governo de frente única. Em janeiro de 1964, porém, o
PSD, de Juscelino Kubitschek, e a Frente de Mobilização Popular (FMP), liderada
por Brizola, manifestaram-se contra a proposta. Em 31 de março de 1964, o
general Humberto Castello Branco assumiu o poder. San Tiago faleceu no Rio de
Janeiro em 6 de setembro daquele ano.
Sucessão
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), lembra San Tiago Dantas.
Nunca apoiou o governo Bolsonaro, entretanto, como presidente da Câmara,
encabeça o que podemos chamar de “oposição positiva”, graças a qual o Poder
Legislativo vem sendo muito mais responsável do que o Palácio do Planalto no
enfrentamento das crises. Maia foi o grande artífice da aprovação da reforma da
Previdência, muito mais do que Paulo Guedes, o ministro da Economia. O
presidente Bolsonaro atrapalhou muito mais do que ajudou. O mesmo se pode dizer
de outras medidas aprovadas pelo Congresso, como a flexibilização da legislação
trabalhista, as medidas de combate à pandemia do coronavírus, o novo marco do
saneamento e, nesta semana, a aprovação do Fundeb.
Essa postura de Maia vem desde o governo de Michel Temer, cujo afastamento somente não foi aprovado porque o presidente da Câmara, que seria seu sucessor natural, se opôs às articulações com esse objetivo. Deve-se a Maia, em boa medida, o encalhe dos projetos mais retrógrados do governo Bolsonaro nas comissões da Câmara. Em fim de mandato, Maia enfrenta uma nova queda de braço com o Palácio do Planalto: a sua sucessão. Bolsonaro quer assumir o controle da Câmara, via Centrão, elegendo um aliado de confiança. O grande obstáculo é Rodrigo Maia, que provou, na votação do Fundeb, não ser um pato manco.
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