terça-feira, 28 de julho de 2020

UM LOBBY DE ALTO RISCO

José Casado, O GLOBO

Jair Bolsonaro deu impulso a um lobby assumindo o risco de criar uma crise nas relações com Angola.

Ele pediu a interferência do presidente João Lourenço na disputa local da Igreja Universal do Reino de Deus, uma sociedade angolana de direito privado. Lourenço respondeu-lhe na semana passada: “(O caso) terá o tratamento cabível na Justiça”.

A Universal enfrenta um cisma em Angola. Mês passado 85 templos foram assumidos por pastores angolanos em rebelião contra a liderança brasileira. Há sete meses 320 deles justificaram a separação com denúncias de delitos da hierarquia brasileira. As investigações seguem.

Rupturas fazem parte da paisagem da Universal nos EUA, Reino Unido, Bélgica e Zâmbia. Ela emergiu no Rio no vigor do movimento evangélico, que cresceu 540% em três décadas, para 42,2 milhões (Censo de 2010). Floresceu no televangelismo da teologia da prosperidade, num amálgama de interesses entre igreja, partido, banco e rede de rádio e televisão.

Aportou em Angola há 28 anos, na expansão africana iniciada por Marcelo Crivella, prefeito do Rio, coordenador do partido Republicanos e visto como herdeiro do tio, Edir Macedo, líder nos negócios da igreja. Candidato à reeleição, trouxe ao partido da Universal um par de filhos de Bolsonaro. O pai, sem partido, hesita na adesão por incerteza sobre a reação de outras alas evangélicas como a Assembleia de Deus.

Bolsonaro usou o cargo e o Itamaraty para intervir no cisma da Universal. Justificou a Lourenço sua “preocupação” — legítima —com 65 brasileiros. Mas foi além. Tomou parte na briga da sociedade privada angolana. Classificou a disputa nos templos como “invasões” e qualificou dissidentes como “ex-membros” da igreja.

Inflou um lobby em Brasília, que já prepara uma comitiva do Senado a Luanda em defesa dos interesses da Universal. Desta vez, ao usar organismos de Estado para defender negócios de aliados, Bolsonaro pôs em risco um legado diplomático de 45 anos na África, consolidado pelo Itamaraty no regime militar, quando o Brasil foi o primeiro a reconhecer a independência de Angola.

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