São dez os principais candidatos a prefeito da cidade do Rio
de Janeiro, mas conforme pesquisa do Instituto Ver, realizada em junho, a
segunda maior cidade do País já tem um favorito: o ex-prefeito, por dois
mandatos, Eduardo Paes (DEM) com 31,3%.
Em seguida aparece o atual prefeito Marcelo Crivella
(Republicanos) com apenas 10,8% e com reduzidas chances de reeleição. A
esquerda segue dividida com quatro candidatos: a deputada estadual Martha Rocha
(PDT) com 6,8%, o deputado Alessandro Molon (PSB) com 2,9% e a deputada
Benedita da Silva (PT) com 2,1%, além do PSOL. Essa é a primeira pesquisa
depois da desistência do deputado Marcelo Freixo (PSOL), que disputou o segundo
turno com Crivella na última eleição. Na pesquisa aparece o ex-deputado Chico Alencar
(4,5%), mas ele também não quer disputar e no seu lugar surge a deputada
estadual Renata Souza. Aparecem na centro-direita o deputado Otoni de Paula
(PSC) com 1,1%, o empresário Paulo Marinho (PSDB) com 0,7% e o deputado Hugo
Leal (PSD) com 0,1%. À direita, aparece o deputado estadual Rodrigo Amorim
(PSL) com 0,3%.
O prefeito passou grande parte do mandato fugindo da
instalação de um processo de impeachment e tem elevada taxa de rejeição. Bispo
licenciado da Igreja Universal do Reino de Deus, Crivella conta com o voto
evangélico e o apoio do bolsonarismo. O presidente não deve participar
diretamente das campanhas municipais para evitar brigas no Centrão. No entanto,
seus filhos, o senador Flávio e o vereador Carlos, filiados ao mesmo partido de
Crivella, devem integrar a campanha de reeleição. A aposta é que a disputa
comece com o debate nacional, mas as questões locais devem ganhar ênfase. “Paes
já foi prefeito por dois mandatos e conhece os problemas da cidade. Ele deve
priorizar questões locais. Já Crivella, que no final de 2019 estava muito
desgastado na saúde, conseguiu se recuperar um pouco durante a pandemia, que é
uma janela de oportunidade para tentar mostrar serviço”, avalia o cientista
político Ricardo Ismael, da PUC-Rio. O prefeito, contudo, tem afirmado que as
dificuldades de sua administração têm relação com a herança deixada por Paes.
“Recebemos a administração da cidade com uma pesada herança do chamado ‘sonho
olímpico’, que se transformou em pesadelo representado por bilhões de reais de empréstimos
a pagar”, afirma Crivella.
O mais experiente no pleito é Paes, que aponta a falta de
entrosamento do município com o Estado e com o governo federal na pandemia da
Covid-19. “Minha prioridade é saúde, saúde, saúde, depois o emprego, que é
muito importante”, disse. Segundo o ex-prefeito, existe uma incapacidade entre
os governantes de trabalhar em conjunto. “É uma vergonha. O Rio tem mais de
1.400 leitos ociosos. Não precisava ter colocado hospital de campanha nenhum,
que são caríssimos”, afirmou. Crítico de Crivella, Paes disse ter dificuldade
para apontar uma área da atual administração que funcione bem. “Crivella é um
incompetente, faz um governo trágico para a cidade”, disse Paes.
O ex-prefeito tenta articular uma aliança com o PSDB e o Cidadania.
O ex-prefeito tenta articular uma aliança com o PSDB e o Cidadania.
Os tucanos podem até compor a chapa já no primeiro turno.
“Pode ser necessário para que não se cometam os erros de 2016, quando três
candidaturas disputaram o mesmo eleitorado e não tiveram capacidade de
articular uma chapa”, justificou Paulo Marinho, candidato do PSDB à prefeitura
carioca. Suplente de Flávio Bolsonaro no Senado, Marinho foi do núcleo da
campanha do presidente Jair Bolsonaro. Ganhou evidência ao denunciar a proteção
da PF a Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio, no esquema de rachadinhas do
gabinete na Assembleia Legislativa do Rio. A prioridade do tucano será a
recuperação do emprego.
O voto para prefeito será embalado pela esperança de dias
melhores para a combalida cidade maravilhosa. Com uma população estimada em
6,71 milhões, o município vive uma crise fiscal sem precedentes, sofre com
desemprego elevado, desigualdades imensas, falta de investimento em transporte
e em infraestrutura. Antes da pandemia, o Rio já estava em uma crise econômica
grave. Em 2019, fechou o ano com déficit orçamentário de R$ 1,2 bilhão.
Considerando os restos a pagar, terminou o ano com R$ 4 bilhões no vermelho.
Para 2020, a previsão de déficit no orçamento é de mais R$ 2 bilhões. A
prefeitura anunciou, em maio, medidas de corte de gastos de R$ 250 milhões com
a redução de salários do primeiro escalão do Executivo e de 25% no valor dos
contratos pagos aos prestadores de serviços. A estimativa é de queda na
arrecadação em R$ 1,1 bilhão em 2020, principalmente de ISS. O desemprego na
cidade estava em patamar alto antes da pandemia, atingindo 13% no primeiro trimestre.
Na saúde, o Rio tem mostrado dados preocupantes relacionados
à Covid-19. A taxa de letalidade tem se mantido como a maior entre as capitais
brasileiras, de 12% sobre os casos confirmados da doença. Essa taxa é uma das
maiores do mundo (nos EUA, a letalidade é de 4,8%). Nas favelas, as taxas são
mais elevadas. Até 10 de agosto, foram contabilizadas 8.622 mortes no
município. Na avaliação da médica Ligia Bahia, do setor de saúde pública da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o principal desafio é enfrentar
a má gestão da área. “Falta a coordenação dos recursos assistenciais dos
governos federal, estadual e municipal”, afirmou. As deficiências se estendem
para as unidades ambulatoriais, de atenção básica, de exames especializados e
do Samu. Filas para cirurgias ortopédicas e de catarata são constantes. Na
crise do setor no ano passado, houve greve dos funcionários terceirizados por
atraso de quatro meses nos salários. Além de demitir os terceirizados, o
município fechou postos de atenção básica.
A fila para creches chegou a 36.424 crianças em junho de
2019. Ao longo do ano, apenas 8 mil vagas foram abertas. No ensino fundamental,
houve a interrupção do monitoramento da aprendizagem da alfabetização. “Não
sabemos se as crianças estão seguindo em frente alfabetizadas ou não”, disse
Cláudia Costin, especialista em educação da Fundação Getúlio Vargas (FGV) do
Rio, que foi secretária da pasta entre 2009 e 2014. O programa “Escolas do
Amanhã”, implantado para evitar o abandono escolar em áreas conflagradas, foi
enfraquecido. “Uma escola que está em uma área controlada pelo tráfico ou pela
milícia tem condições de ensino muito desafiadoras. Deveria tentar atrair os
melhores professores para essas áreas e fazer ação afirmativa”, afirmou
Cláudia. Também não foi cumprido o programa de estender a todas as escolas da
rede municipal as aulas em tempo integral no prazo de dez anos, conforme lei
aprovada na Câmara de Vereadores.
Habitação
Outro desafio a ser enfrentado pelo futuro prefeito é o
déficit habitacional. Desde o início da gestão Crivella, cerca de 10 mil
unidades habitacionais foram entregues. Mas de acordo com a Fundação João
Pinheiro, com base nos dados da Pnad de 2015, o déficit é de 340 mil
residências. A capital fluminense tem 22% de sua população vivendo em favelas,
segundo o último Censo, de 2010. “Muitos espaços podiam ser utilizados para
habitação na área da Leopoldina e na região suburbana. Isso amplia o custo
porque tem que investir em escola, asfalto, educação e transporte”, avaliou o fundador
do Observatório de Favelas e diretor do Instituto Maria e João Aleixo, o
geógrafo Jaílson de Souza e Silva. Quem vive nas favelas tem pouco acesso a
serviços de água e esgoto, luz e coleta de lixo, além de uma menor oferta de
serviços de saúde e de educação. Um exemplo é o Complexo do Alemão, onde há 100
mil pessoas. O conjunto de favelas, um dos maiores do Rio, já passou por
programas de urbanização de diferentes esferas de governo. No entanto, a falta
de redes de esgoto e de água persiste.
Um problema que, infelizmente, deixou a cidade maravilhosa
marcada internacionalmente é o da falta de segurança. A existência de milícias
organizadas e o tráfico de drogas continuam sendo alarmante no cotidiano do
carioca. Mesmo sabendo que esse é um problema que precisa da ajuda dos governos
estadual e federal, não há por parte do governo municipal uma política que
enfrente esse problema de frente. É comum, inclusive, que existam denúncias de
candidatos associados aos traficantes e às milícias em especial. A violência
policial frequente nessas localidades está associada a uma política de
Segurança Pública que também ignora os direitos.
Na área de transportes, após as obras da Copa de 2014 e das
Olimpíadas de 2016, o investimento em infraestrutura praticamente acabou. O
atual prefeito apenas continuou a obra do corredor do BRT TransBrasil, de
acesso ao Centro pela Avenida Brasil.
A obra tem conclusão prevista para o fim deste ano. A cidade
carece de integração entre os modais, de transparência na bilhetagem dos
passageiros e de manutenção dos transportes públicos. “O mais importante é ter
um gerenciamento de todo o sistema de transporte concentrado em uma administração
de todos os modos. Hoje, não há diálogo entre os grupos de cada modal”, disse o
pesquisador da Coppe/UFRJ Ronaldo Balassiano. Será preciso aumentar a extensão
e a integração das ciclovias com os demais modais. As calçadas, hoje sem
nenhuma conservação, terão que estar em boas condições, pois as pessoas devem
fazer mais trajetos a pé. Outra solução no pós-pandemia é ofertar serviços em
terminais de integração para evitar trajetos longos de moradores de áreas mais
afastadas do Centro, como a Zona Oeste.
O início dos debates sobre as necessidades da cidade mostram
o quanto ela é precária. A população espevara mais do atual gestor. Crivella
não parece ter fôlego para se reeleger, mas o jogo está apenas começando.
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