Dando seqüência à tentativa de desconstruir a Operação
Lava-Jato, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) julgará na
terça-feira casos envolvendo o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da
Lava-Jato em Curitiba. Não são os primeiros, nem serão os últimos casos, pois
ao longo de seu trabalho à frente da força-tarefa de Curitiba Dallagnol já teve
cerca de 50 reclamações disciplinares contra si, a maior parte vinda de
investigados e réus e seus aliados.
Apenas duas delas, e sempre por opinião, mereceram
advertências. Por isso, é estranho que na reunião de terça exista a
possibilidade de afastamento cautelar devido a um procedimento disciplinar por
remoção compulsória por interesse público, impetrado pela senadora Katia Abreu,
investigada pela Lava-Jato. Até hoje, foram poucos os afastamentos a bem do
interesse público, e ambos por questões totalmente diversas das que Dallagnol
está sendo acusado.
Um por trabalho ineficiente em defesa do consumidor, e outro
por assédio moral e outras faltas funcionais. Ambos ao fim de um processo em
que houve possibilidade de o acusado apresentar sua defesa, não de maneira
cautelar. O afastamento cautelar de Dallagnol feriria de morte a garantia de
inamovibilidade de integrantes do Ministério Público, o que afetaria a independência
do órgão e levaria uma insegurança funcional nos demais membros do órgão
investigador, que ficariam expostos à retaliações políticas.
Outro que apresentou Processo Administrativo Disciplinar
(PAD) contra Dallagnol foi o senador Renan Calheiros, que pede sua punição por
ter defendido a votação aberta para a eleição da presidência do Senado,
afirmando que a eleição de Calheiros seria prejudicial ao combate à corrupção.
O plenário do CNMP já rejeitou a mudança da caracterização da fala como atividade
político-partidária, e negou o afastamento cautelar de Dallagnol pedidos ainda
em 2018.
O relator é Luiz Fernando Bandeira de Mello, braço-direito
de Renan Calheiros no Senado, onde atua até hoje como secretário-geral da Mesa
Diretora. Por essa relação, um grupo de senadores pediu que ele fosse
considerado suspeito para relatar os casos. Vários deles já foram julgados em
outras reclamações disciplinares e considerados legítimos, como as palestras
remuneradas que Dallagnol deu, ou o acordo da força-tarefa com a Petrobras
envolvendo a restituição bilionária de multa paga nos Estados Unidos e que
ficaria no Brasil com a criação de uma fundação para combate à corrupção.
Uma fundação polêmica, que acabou anulada pelo Supremo, mas,
alega a defesa de Dallagnol, aprovada por diversos órgãos como uma solução
jurídica legítima. Além disso, há uma questão técnica importante, que pode
inviabilizar o julgamento.
O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) é composto
por 14 membros, e é preciso maioria absoluta para aprovar uma remoção por
interesse público. No momento, no entanto, existem somente 11 conselheiros em
atividade, pois três indicações estão paradas no Senado para aprovação, o que
desequilibra a composição do Conselho, pois o Ministério Público fica sub
representado.
Há, portanto, uma discussão preliminar que deve ser
enfrentada no julgamento de terça-feira: sem sua representação integral, o CNMP
pode julgar uma ação dessa envergadura, raramente usada para punir
procuradores? A não nomeação de dois representantes do Ministério Público por
questões internas do Senado, como a paralisação dos trabalhos devido à
pandemia, não é motivo para adiar a decisão? Há ainda a posição do
Procurador-Geral da República, Augusto Aras, que abriu guerra declarada contra a
Operação Lava-Jato.
Nas votações anteriores, os procuradores sempre tiveram o
voto do Procurador-Geral da República, o que não é garantido desta vez. Todas
essas circunstâncias formam um quadro que indica, no mínimo, que o julgamento
desta terça-feira não está organizado dentro dos melhores padrões, e pode levar
insegurança a todos os membros do Ministério Público.
O procurador Deltan Dallagnol é a face mais exposta da
Lava-Jato em atividade em Curitiba. O interesse público é o fortalecimento do
combate à corrupção, que fica fragilizado se do julgamento sair uma decisão que
cheire a mais uma ação contra a Operação Lava-Jato.
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