O Brasil é um país resignado diante da morte. Essa é a mais
triste constatação dos vários recortes da última pesquisa Datafolha: o “e daí?”
cínico de Jair Bolsonaro ecoou e deu a muita gente que não está nem aí com a
tragédia em que estamos mergulhados um conforto para continuar agindo com
egoísmo e livrando o presidente e os demais governantes de suas
responsabilidades no enfrentamento da pandemia do novo coronavírus.
Foram tantos os absurdos impensáveis praticados e ditos por Bolsonaro,
chancelados por ministros e ignorados pelo Congresso entre anestesiado, inerte,
cúmplice ou aliciado que parecia impossível que a conta não chegasse.
E ela chegou, por alguns meses. Mas bastou Bolsonaro lançar
mão de alguns artifícios tão evidentes quanto toscos e manjados para o
brasileiro mergulhar num estado de letargia ou negação semelhante aos que, em
2018, nos trouxeram até esse pesadelo.
Para 47% dos brasileiros Bolsonaro não tem nenhuma
responsabilidade pelo altíssimo número de mortes por covid-19 no País que
deveria governar. Isso a despeito de uma lista de ações e omissões do
presidente, de declarações criminosas a incentivos golpistas, passando pela
demissão de dois ministros da Saúde no auge da pandemia.
A combinação explosiva entre o cansaço com a prolongada
quarentena — e suas implicações econômicas, familiares, mentais, físicas e
sociais —, um auxílio emergencial que aplaca o desespero dos mais necessitados
e a absoluta falta de estratégia e de postura dos opositores do presidente da
direita à esquerda produziram um efeito que os panelaços de março e abril e as
ações do STF até junho não autorizavam supor: Bolsonaro emplacou, em algum
grau, sua narrativa mentirosa de que não tem nada a ver com mais de 100 mil
cadáveres sepultados em cinco meses.
Como se fosse inevitável que chegássemos até aqui, uma vez
que o Supremo impediu o presidente de agir, os governadores e prefeitos agiram
deliberadamente para piorar o quadro, a imprensa torceu pelo vírus e qualquer
outra mentira repetida à exaustão pelo presidente.
Não é assim no resto do mundo, nem com o amigão de
Bolsonaro. Nos Estados Unidos, Donald Trump enfrenta as consequências de um
desempenho semelhante ao do seu fãzaço brasileiro, que pode lhe custar a
reeleição. Lá, políticos com divergências históricas e visões de mundo
díspares, inclusive republicanos, se uniram em torno do óbvio: exigir de um
chefe de Estado que lidere a Nação em seu momento mais dramático no século e o
cobre em termos duros quando não o faz.
Aqui, enquanto isso, petistas aproveitam a pandemia e o
rompimento de Sérgio Moro com Bolsonaro para emplacar outra cascata, a do golpe
contra Lula e Dilma, que só teriam plantado o bem enquanto estiveram no poder.
Ao centro, os eventuais postulantes a 2022 se dividem entre
os que acham que política é reality show, distribuindo motocas para personagens
midiáticos, e os que ignoram o beabá da articulação e acham que o simples fato
de terem sido expelidos do governo Bolsonaro os credencia a serem candidatos.
O PT torpedeia opções à esquerda, a direita dinamita a Lava
Jato e tudo caminha, com o País absolutamente abobalhado no meio, para nos
levar de novo à polarização burra, mesquinha e perpetuadora de nossos flagelos.
Não existe disposição cívica genuína para um diálogo entre diferentes que
enxergue que Bolsonaro vai se safando de seus crimes com a ajuda do Centrão e a
covardia dos que deveriam contê-lo e imputar a ele suas muitas
responsabilidades.
O presidente está à vontade para subir em palanques, driblar
o teto de gastos e se safar das cobranças pela crise da pandemia porque os que
deveriam constrangê-lo estão perdidos como baratas tontas.
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