domingo, 16 de agosto de 2020

O GENERAL-MINISTRO QUE NÃO CONTRARIA BOLSONARO

Do EL PAÍS
Quando o general de três-estrelas Eduardo Pazuello foi recrutado para se incorporar ao Ministério da Saúde no Governo Bolsonaro, ele mesmo imaginava que seria uma missão temporária. Seu plano era voltar logo à Amazônia, com sua tropa, como contou em uma das suas primeiras entrevistas. Chegava para coordenar a saída de um ministro destituído e a entrada do seguinte. Dificilmente alguém poderia prever naquele mês de abril que esse militar carioca nascido em 1963 se tornaria o terceiro ministro brasileiro da Saúde durante a pandemia, ainda que de forma interina ―e boa parte da população brasileira (precisamente 88%, de acordo com o Datafolha), nem sequer sabe que ele ocupa esse cargo.
O emprego de Pazuello é provavelmente um dos menos invejados do mundo atualmente: o Brasil acaba de ultrapassar o limite dos 100.000 mortos pelo coronavírus e já soma três milhões de contágios. Essas cifras ―as oficiais, que distam muito das reais― colocam-no em uma posição só pior que os EUA. Mas, como bom militar, o general cumpre a missão encomendada pelo presidente, notório negacionista da gravidade da pandemia. “O Exército está se associando a um genocídio”, chegou a alertar o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, sobre os riscos que isto acarreta para a reputação das Forças Armadas.
O primeiro ministro brasileiro da Saúde em tempos de coronavírus foi Luiz Henrique Mandetta, um ortopedista com experiência política como deputado, que chegou a competir em popularidade com Bolsonaro; o segundo foi Nelson Teich, um tímido oncologista que abandonou o navio em menos de um mês. A ala militar do Gabinete tinha colocado Pazuello como número dois de Teich por sua experiência em logística (e por tê-lo sob sua supervisão). Naquele momento, meados de maio, alguns países se comportavam como autênticos piratas na feroz batalha para conseguir suprimentos básicos, como exames para o diagnóstico da covid-19, respiradores e trajes de proteção.
Esse militar, que ao chegar ao Ministério admitiu não saber nada de saúde, costuma insistir que não é nem médico nem político. Seu negócio é a gestão, a logística, a intendência. Nisso se especializou na academia militar dos Agulhas Negras, a mesma onde antes se formara Bolsonaro, que só chegou a capitão e que, depois de uma insubordinação, foi convidado a passar à reserva. Pazuello, por sua vez, não é dos que contrariam o chefe. Dias depois de assumir a pasta, acatou uma polêmica portaria ―a qual seus dois antecessores, médicos, se recusaram a assinar― que autoriza os médicos a oferecerem cloroquina aos pacientes de coronavírus. O eficaz medicamento contra a malária, que Bolsonaro ―e em certo momento também Donald Trump― apresenta como a panaceia, carece de aval científico contra este vírus.
O presidente conseguiu politizar a cloroquina, o confinamento, o distanciamento social e o uso de máscaras. Mas um terço dos brasileiros ainda o segue, diga o que disser, faça o que fizer, em sua calculada estratégia para que o custo político do coronavírus e a consequente hecatombe econômica sejam pagos por governadores e prefeitos. Sua postura não variou em nada depois que ele mesmo contraiu a doença, em julho, enquanto os coveiros fazem horas extras para abrir sepulturas suficientes para as vítimas do vírus.
Pouco depois de chegar, Pazuello tentou limitar os dados que o Governo divulga diariamente sobre a doença, mas causou tal escândalo que em dois dias desistiu ―em reunião com membros da Organização Mundial da Saúde em agosto, ele omitiu os números de infecções e mortes no Brasil, limitando-se a dizer que o Brasil está “entre os líderes mundiais em pacientes recuperados”. Agora, a primeira cifra divulgada nos boletins do Governo é a dos doentes que se recuperaram, não a de mortos.
O general já está há dois meses e meio à frente do Ministério da Saúde. Dá a impressão de que por enquanto não haverá um quarto ministro, embora ele inicialmente tenha sido nomeado apenas como interino, não como titular da pasta. E assim continua, para espanto dos milhões de brasileiros que consideram Bolsonaro culpado de ter contribuído para o avanço da pandemia. “Se me encherem muito o saco, te transformo em titular”, ameaçava o presidente na semana passada, no resumo da atividade governamental que transmite semanalmente via Facebook.
Com Pazuello ―um sujeito discreto, sempre à paisana, que usa máscara com a bandeira do Brasil e, como demonstrou naquela live, ri das piadas do chefe― se acabaram as entrevistas coletivas diárias sobre o coronavírus, entre outras mudanças substanciais. Quando a pandemia começou, a cúpula do ministério era dominada por profissionais da saúde; agora proliferam os fardados. Nomeou cerca de 20, fazendo sua parte na militarização do poder governamental empreendida por Bolsonaro. Quase metade dos ministros vem das Forças Armadas. Esta é a missão mais complexa já encomendada a Pazuello, que no entanto antes liderou outras bastante delicadas. Quando o chamaram para ir a Brasília, fazia três meses que assumira o cargo de comandante militar da Amazônia. Antes, dirigiu a operação para acolher os venezuelanos que chegam ao Brasil fugindo do desmoronamento do seu país e coordenou as tropas envolvidas na Olimpíada do Rio-2016.
As autoridades brasileiras há muito tempo já desistiram de empreender políticas de análise maciça que revele uma imagem nítida da evolução da pandemia. Mas seu tamanho, seus 210 milhões de habitantes e a velocidade com que o vírus se espalha fizeram do país um laboratório magnífico para os testes da vacina. O ministro interino aposta em que ela pode estar pronta em dezembro ou janeiro.
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