Quando o general de três-estrelas Eduardo
Pazuello foi recrutado para se incorporar ao Ministério da Saúde no Governo
Bolsonaro, ele mesmo imaginava que seria uma missão temporária. Seu plano era
voltar logo à Amazônia, com sua tropa, como contou em uma das suas primeiras
entrevistas. Chegava para coordenar a saída de um ministro destituído e a entrada do
seguinte. Dificilmente alguém poderia prever naquele mês de abril que esse
militar carioca nascido em 1963 se tornaria o terceiro ministro brasileiro da
Saúde durante a pandemia, ainda que de forma interina ―e boa parte da
população brasileira (precisamente 88%, de acordo com o Datafolha), nem sequer
sabe que ele ocupa esse cargo.
O emprego de Pazuello é provavelmente um dos menos invejados
do mundo atualmente: o Brasil acaba de ultrapassar o limite dos 100.000 mortos pelo
coronavírus e já soma três milhões de contágios. Essas cifras ―as oficiais, que
distam muito das reais― colocam-no em uma posição só pior que os EUA. Mas, como
bom militar, o general cumpre a missão encomendada pelo presidente, notório
negacionista da gravidade da pandemia. “O Exército está se associando a um
genocídio”, chegou a alertar o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar
Mendes, sobre os riscos que isto acarreta para a reputação das Forças Armadas.
O primeiro ministro brasileiro da Saúde em tempos de
coronavírus foi Luiz Henrique Mandetta, um ortopedista com experiência
política como deputado, que chegou a competir em popularidade com Bolsonaro; o segundo
foi Nelson Teich, um tímido oncologista que abandonou o navio em menos de um mês. A ala militar do
Gabinete tinha colocado Pazuello como número dois de Teich por sua experiência
em logística (e por tê-lo sob sua supervisão). Naquele momento, meados de maio,
alguns países se comportavam como autênticos piratas na feroz batalha para conseguir suprimentos básicos, como
exames para o diagnóstico da covid-19, respiradores e trajes de proteção.
Esse militar, que ao chegar ao Ministério admitiu não saber
nada de saúde, costuma insistir que não é nem médico nem político. Seu negócio
é a gestão, a logística, a intendência. Nisso se especializou na academia
militar dos Agulhas Negras, a mesma onde antes se formara Bolsonaro, que só
chegou a capitão e que, depois de uma insubordinação, foi convidado a passar à
reserva. Pazuello, por sua vez, não é dos que contrariam o chefe. Dias depois
de assumir a pasta, acatou uma polêmica portaria ―a qual seus dois antecessores,
médicos, se recusaram a assinar― que autoriza os médicos a oferecerem
cloroquina aos pacientes de coronavírus. O eficaz medicamento contra a malária,
que Bolsonaro ―e em certo momento também Donald Trump― apresenta como a panaceia, carece de aval científico contra
este vírus.
O presidente conseguiu politizar a cloroquina, o
confinamento, o distanciamento social e o uso de máscaras. Mas um terço dos brasileiros ainda o segue, diga o que disser,
faça o que fizer, em sua calculada estratégia para que o custo político do
coronavírus e a consequente hecatombe econômica sejam pagos por governadores e
prefeitos. Sua postura não variou em nada depois que ele mesmo contraiu a doença, em julho, enquanto os coveiros
fazem horas extras para abrir sepulturas suficientes para as vítimas do vírus.
Pouco depois de chegar, Pazuello tentou limitar os dados que o Governo divulga
diariamente sobre a doença, mas causou tal escândalo que em dois dias desistiu ―em reunião com membros da
Organização Mundial da Saúde em agosto, ele omitiu os números de infecções e
mortes no Brasil, limitando-se a dizer que o Brasil está “entre os líderes
mundiais em pacientes recuperados”. Agora, a primeira cifra divulgada nos
boletins do Governo é a dos doentes que se recuperaram, não a de mortos.
O general já está há dois meses e meio à frente do
Ministério da Saúde. Dá a impressão de que por enquanto não haverá um quarto
ministro, embora ele inicialmente tenha sido nomeado apenas como interino, não
como titular da pasta. E assim continua, para espanto dos milhões de
brasileiros que consideram Bolsonaro culpado de ter contribuído para o avanço
da pandemia. “Se me encherem muito o saco, te transformo em titular”, ameaçava
o presidente na semana passada, no resumo da atividade governamental que
transmite semanalmente via Facebook.
Com Pazuello ―um sujeito discreto, sempre à paisana, que usa
máscara com a bandeira do Brasil e, como demonstrou naquela live, ri das piadas
do chefe― se acabaram as entrevistas coletivas diárias sobre o coronavírus,
entre outras mudanças substanciais. Quando a pandemia começou, a cúpula do
ministério era dominada por profissionais da saúde; agora proliferam os
fardados. Nomeou cerca de 20, fazendo sua parte na militarização do poder
governamental empreendida por Bolsonaro. Quase metade dos ministros vem das
Forças Armadas. Esta é a missão mais complexa já encomendada a Pazuello, que no
entanto antes liderou outras bastante delicadas. Quando o chamaram para ir a
Brasília, fazia três meses que assumira o cargo de comandante militar da
Amazônia. Antes, dirigiu a operação para acolher os venezuelanos que chegam ao
Brasil fugindo do desmoronamento do seu país e coordenou as tropas envolvidas
na Olimpíada do Rio-2016.
As autoridades brasileiras há muito tempo já desistiram de
empreender políticas de análise maciça que revele uma imagem nítida da evolução
da pandemia. Mas seu tamanho, seus 210 milhões de habitantes e a velocidade com
que o vírus se espalha fizeram do país um laboratório magnífico para os testes
da vacina. O ministro interino aposta em que ela pode estar pronta em dezembro
ou janeiro.
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