Gabinete de Carlos Bolsonaro pagou R$ 7 milhões a
funcionários suspeitos de serem 'fantasmas', aponta relatório
Por Marcelo Gomes,
Lilian Ribeiro e Ricardo Abreu, GloboNews
Onze servidores do gabinete do vereador Carlos
Bolsonaro (Republicanos) investigados como supostos
funcionários fantasmas na Câmara do Rio receberam um total de R$ 7
milhões, desde 2001.
O valor não foi atualizado pela inflação e consta em um
ofício que está anexado à investigação do Ministério Público contra Carlos
Bolsonaro por peculato – quando um funcionário público desvia dinheiro para uso
próprio.
Os novos documentos foram obtidos com exclusividade
pela GloboNews nesta sexta-feira (4).
Transparência da Câmara
O site da Câmara não mostra quais funcionários trabalham nos
gabinetes dos 51 vereadores. Só é possível ver uma lista com os nomes de todos
os servidores, com um cargo que aparece em códigos.
O salário-base de cada um consta em outra tela, onde não é
possível ver o nome dos servidores ou o detalhamento das gratificações de cada
um. Também não é possível saber para quem o servidor trabalha.
Quem são os supostos 'fantasmas'
O servidor que recebeu o maior valor em salários foi
Guilherme Hudson: quase R$ 1,5 milhão em 10 anos. Ele dirigia todos os dias até
outra cidade para levar a esposa para estudar, num total de 5 horas de ida e
volta.
O MP apura a que horas ele cumpria as obrigações como
servidor. Em depoimento, ele disse que sua função era de assessoria jurídica e
fazia análise da constitucionalidade de projetos de lei apresentados.
Ele disse também que acredita ter "trocado pouquíssimos
e-mails" com o chefe Carlos Bolsonaro em 10 anos e que "não tem
nenhum documento guardado" do tempo em que foi funcionário.
Guilherme Hudson assumiu o cargo de chefe de gabinete que
antes era ocupado pela prima, Ana Cristina Siqueira Valle. Ela é ex-mulher do
presidente Jair
Bolsonaro (sem partido).
Entre os 11 funcionários que tiveram os salários informados
pela Câmara ao MP, Ana Cristina fica na quinta posição dos maiores valores
recebidos, com um total de quase R$ 670 mil.
A estudante Ananda Hudson, que Guilherme Hudson levava todos
os dias para faculdade, também fez parte do gabinete de Carlos Bolsonaro. Os
salários dela somaram mais de R$ 117 mil em um ano e cinco meses.
R$ 1,5 milhão para entregar panfletos
A reportagem da GloboNews também mostrou o militar da
reserva Edir Barbosa Goes, que ainda é assessor do vereador. Em depoimento, ele
disse aos promotores que entregava informativos mensais e trimestrais na Zona
Oeste do Rio sobre as atividades do vereador.
As entregas, de acordo com o depoimento, eram feitas de
porta em porta e também em filas de bancos. Ele contou aos promotores que não
tinha nenhum exemplar dos panfletos.
Para distribuir panfletos, Edir recebeu quase R$ 1,5 milhão
ao longo de 11 anos. O último salário informado pela Câmara ao MP foi de R$ 17
mil, em maio do ano passado.
"Eu acho até que essa função que ele exerce seria
desnecessária. Hoje com o avanço da tecnologia da informação todo mundo tem um
celular, o jornalzinho poderia seguir até por WhatsApp. Ainda que ele distribua
o jornal, é um absurdo o sujeito receber R$ 17 mil pra fazer isso, chega a ser
até um escárnio, uma provocação porque realmente não faz qualquer sentido que o
servidor, ainda que faça esse trabalho, possa ganhar um valor dessa
natureza", afirma Gil Castelo Branco, presidente da Associação Contas
Abertas.
Crachá
Desses 11 servidores, apenas 5 constam na lista de controle
de entrega de crachá fornecida pela Câmara ao Ministério Público. O nome de
quem retira a identificação é preenchido à mão pelo servidor. Alguns nomes são
ilegíveis; em outros, consta uma rubrica ou assinatura.
Uma resolução da Mesa Diretora desobrigou servidores
comissionados de comparecer à Câmara, mas todos devem ter seu crachá.
Em nota, o departamento de pessoal da Câmara do Rio informou
à GloboNews que todo servidor, ao ser efetivado, precisa entregar uma foto e
fazer seu crachá. Entretanto, a própria Câmara reconhece que nem todos os
funcionários fazem isso e admite que sequer fiscaliza se esses funcionários
fizeram ou não seus crachás.
Idosa não sabe o próprio cargo
Os procuradores encontraram indícios de que a prática tenha
se estabelecido já no primeiro mandato de Carlos Bolsonaro, em 2001.
No relatório, citam servidores de idade elevada que moram em
outros municípios ou estados -- o que inviabiliza o cumprimento das funções,
segundo a investigação.
Uma das contratadas foi Diva da Cruz Martins, de 72 anos,
moradora de Nova Iguaçu. Diva foi lotada entre 2003 e 2005 -- ou seja, no
primeiro e no segundo mandatos -- no gabinete do vereador e recebia R$ 3 mil
por mês.
Diva não soube dizer aos promotores qual era a denominação
do seu cargo. Ela disse em depoimento que “seu trabalho” era “comparecer à
Câmara de Vereadores uma vez por mês, buscar uns folhetos e distribuir às
pessoas no Centro de Nova Iguaçu”.
Nova Iguaçu é um outro município do estado do Rio, embora os
eleitores de Carlos Bolsonaro sejam da capital.
O que dizem os citados
A Globonews procurou a defesa de Carlos Bolsonaro, que não
quis comentar o assunto porque a investigação está sob sigilo.
O advogado Jefferson Gomes, que defende Guilherme e Ananda
Hudson, disse que todos os esclarecimentos necessários já foram prestados ao
Ministério Público e que seus clientes jamais cometeram qualquer ato ilícito.
A Globonews já esteve na casa de Edir Góes, mas ele deixou
claro que não se pronunciaria.
A defesa de Ana Cristina Valle diz o valor citado na
reportagem diz respeito a vários funcionários que trabalharam por quase 20 anos
no gabinete de Carlos Bolsonaro e que não há qualquer indício de que Ana Cristina
tenha sido funcionária fantasma.
Em nota, a Câmara de Vereadores do Rio disse que, desde
2010, tem um portal da transparência para que qualquer cidadão tenha pleno
acesso a todos os dados relativos à atividade parlamentar e que no portal
também são divulgados a quantidade de servidores efetivos, comissionados e
terceirizados, lista nominal de funcionários e salários.
A Câmara esclarece ainda que a Lei de Acesso à Informação
deixa a cargo de cada poder a sua regulamentação e que casa estabelece que a divulgação
dos vencimentos dos servidores se dê por meio de tabelas. Diz também que no
portal da transparência, disponível no site da instituição, consta também
valores das funções gratificadas ou cargo em comissão e verbas específicas,
como adicionais e gratificações.
Por fim, a Câmara Municipal do Rio diz que reafirma “o
compromisso com a publicidade e a transparência das informações, como princípio
fundamental para o aprimoramento da democracia”.
A equipe de reportagem não conseguiu contato com os demais
citados na reportagem.
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