A comida encareceu, o consumidor reclamou e o governo reagiu
com mais populismo. O presidente pediu patriotismo e lucro “próximo de zero”
aos donos de supermercados. Em seguida, o Ministério da Justiça deu cinco dias
a produtores e comerciantes para explicarem a alta de preços, acenando com
multas se forem comprovados aumentos abusivos – um conceito misterioso e
estranho à ciência econômica. Enfim, foi zerada a tarifa de importação do
arroz, o vilão mais notório da nova crise inflacionária. Resta esperar e
conferir se o produto estrangeiro de fato derrubará os preços – efeito
duvidoso, se o dólar continuar muito caro. Por enquanto só se viu o showzinho
eleitoral, baseado num script já desmoralizado há 30 anos.
Com tanto barulho, muita gente poderá desconfiar de um novo
estouro inflacionário. Mas convém olhar alguns números. Com alta de 0,24% em
agosto, 0,70% no ano e 2,44% em 12 meses, o Índice Nacional de Preços ao
Consumidor Amplo (IPCA), retrato principal da inflação, estará mesmo fora dos
conformes?
Para o consumidor pouco familiarizado com estatísticas,
aquele número mensal, 0,24%, é uma ficção sem sentido. Algo mais próximo da
verdade talvez apareça nos detalhes. Com alta de 3,08% em agosto, o preço do
arroz acumula aumento de 19,25% no ano. O do feijão subiu mais de 30% em oito
meses, dependendo do tipo e da região, segundo o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE).
No entanto, o custo da alimentação fora de casa diminuiu
0,29% em julho e 0,11% em agosto. Mas quem se importa com isso, se menos
pessoas estão comendo fora? Roupas e calçados também ficaram mais baratos,
assim como a educação (descontos foram concedidos depois do fechamento de
escolas). De novo, isso faz diferença?
Consumidores tendem a dar mais atenção à alta de preços do
que à baixa. Além disso, a inflação medida pelos institutos de pesquisa reflete
a média das variações de centenas de preços. Seria espantoso se os gastos de
alguma família tivessem os mesmos itens do orçamento modelo, com os mesmos
pesos. Além disso, hábitos mudaram com a pandemia. Os modelos de orçamento, no
entanto, foram mantidos.
Mas a disparada dos preços da comida – porque houve, de
fato, disparada – é um fato bem mais complexo do que talvez perceba a maior
parte das pessoas, incluídas várias autoridades. Em vários momentos o valor do
dólar esteve cerca de 40% acima do nível do início do ano. Valores em torno de
R$ 5,60 têm reaparecido com frequência. Um segundo fator, parcialmente
associado ao primeiro, é o aumento das exportações do agronegócio.
As estrelas dessas exportações continuam sendo a soja, seus
derivados, o milho e as carnes. De janeiro a julho o setor exportou US$ 61,19
bilhões, 9,2% mais que um ano antes, segundo o Ministério da Agricultura. Essa
receita, recorde para o período, resultou principalmente do volume, 15,8%
superior ao de janeiro-julho de 2019. A China continuou como destino principal.
O aumento do volume exportado ajuda a entender a alta dos
preços internos, mas há também o efeito do câmbio. Com maiores embarques e
dólar muito mais caro, produtores e distribuidores de alimentos ajustaram seus
preços às novas condições.
O câmbio e a perspectiva do retorno em reais estimularam
também os embarques de produtos de menor peso nas exportações, como o arroz. As
vendas externas de 982,89 mil toneladas desse produto entre janeiro e julho
foram um recorde para o período. As vendas têm ficado, em alguns meses, perto
do dobro dos volumes de 2019. Alguma surpresa, ainda, quanto aos preços
internos?
Quanto ao câmbio, o real tem sido uma das moedas mais
desvalorizadas. Muito capital tem saído do País. Além disso, diminuiu o
ingresso de recursos, principalmente de curto prazo. Há incerteza quanto às
finanças públicas, por causa das prioridades eleitorais do presidente e das
pressões por gastos. Além disso, o fogo nas florestas assusta investidores.
Parte importante dos problemas está no Palácio do Planalto, bem longe dos
armazéns agrícolas e dos supermercados.
Nenhum comentário:
Postar um comentário