Quando o cobertor é curto, quem está tiritando sob os
lençóis tem uma entre três escolhas. Pode esticar até onde não mais puder o
cobertor e estará sujeito a rompimento do tecido; pode deixar de fora os pés ou
outra parte do corpo; ou pode adotar a postura imortalizada pelo cantor Adoniran Barbosa,
ou seja, pode acreditar e fazer crer que “Deus dá o frio conforme o
cobertor”.
Não foi por entendimento unilateral que, há apenas três
semanas, o ministro da Economia, Paulo Guedes,
vinha defendendo a criação do Renda Brasil, destinado a estender o cobertor da
renda mínima para os mais pobres, com recursos provenientes da redução de
despesas em outras áreas sociais – no caso, com o fim do abono salarial, do
Programa Farmácia Popular e do seguro-defeso (que dá cobertura aos pescadores
na temporada de reprodução dos peixes). Mas, ainda assim, Bolsonaro mandou
suspender o Renda Brasil, sob a argumentação de que “não tiraria dos pobres
para dar aos paupérrimos”.
Também não foi por iniciativa unilateral que o ministro
Guedes passou a defender o lançamento do mesmo Programa Renda Família com o fim
da correção automática do salário mínimo e das aposentadorias. A desindexação
era conversa antiga dentro do próprio governo, como era também o projeto de
desoneração dos encargos sociais.
Foi o próprio Bolsonaro que autorizou estudos e vazamentos
tanto sobre o congelamento do salário mínimo e das aposentadorias quanto sobre
a volta da CPMF,
ainda que com outra roupagem e com outro nome.
Enfim, a ideia do big bang, que atenderia às
prioridades eleitorais do governo, a ser deflagrado com essas propostas ou
equivalentes, foi
agora enterrada pelo presidente Bolsonaro, com uma nova ameaça: a
de levantar o cartão vermelho para alguém da equipe econômica, que Guedes diz
não ser ele próprio.
A questão de fundo é a de que Bolsonaro quer, mas não quer
e, por querer e não querer, não sabe o que fazer com o cobertor orçamentário
curto demais.
O abortamento dos projetos encorpados pela inicial D
(desindexar, desonerar, desobrigar), defendidos pelo ministro Paulo Guedes, só
tem uma contrapartida positiva: o de até agora renunciar a perfurações no teto
das despesas. Mas, ainda que algo turbinado, não evolui do Bolsa Família para
o Renda Brasil, não desonera as folhas de pagamentos, não concorre para o
aumento do emprego e não diz como pretende avançar nas reformas tributária e
administrativa e também nos projetos de desenvolvimento.
Uma das hipóteses é a de que, como já aconteceu com outros
superministros (Sérgio
Moro e Luiz
Henrique Mandetta), Paulo Guedes está esvaziado e já não tem o que
fazer no governo.
O problema é que não é ele o principal obstáculo para alguma
coisa acontecer. Se Guedes fosse apeado de sua montaria, e completasse a
debandada que alcançou cinco dos seus principais auxiliares, também o ministro
e outra equipe que o viriam substituir não saberiam por onde recomeçar.
O chefão não quer pagar os preços pelo que tem de ser feito.
E, quem sabe, se apegue à ideia de que, afinal, Deus dá mesmo o frio conforme o
cobertor.
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