quarta-feira, 16 de setembro de 2020

O FRIO E O TAMANHO DO COBERTOR

Celso Ming, O Estado de S.Paulo

Quando o cobertor é curto, quem está tiritando sob os lençóis tem uma entre três escolhas. Pode esticar até onde não mais puder o cobertor e estará sujeito a rompimento do tecido; pode deixar de fora os pés ou outra parte do corpo; ou pode adotar a postura imortalizada pelo cantor Adoniran Barbosa, ou seja, pode acreditar e fazer crer que “Deus dá o frio conforme o cobertor”. 

Não foi por entendimento unilateral que, há apenas três semanas, o ministro da Economia, Paulo Guedes, vinha defendendo a criação do Renda Brasil, destinado a estender o cobertor da renda mínima para os mais pobres, com recursos provenientes da redução de despesas em outras áreas sociais – no caso, com o fim do abono salarial, do Programa Farmácia Popular e do seguro-defeso (que dá cobertura aos pescadores na temporada de reprodução dos peixes). Mas, ainda assim, Bolsonaro mandou suspender o Renda Brasil, sob a argumentação de que “não tiraria dos pobres para dar aos paupérrimos”.

Também não foi por iniciativa unilateral que o ministro Guedes passou a defender o lançamento do mesmo Programa Renda Família com o fim da correção automática do salário mínimo e das aposentadorias. A desindexação era conversa antiga dentro do próprio governo, como era também o projeto de desoneração dos encargos sociais.

Foi o próprio Bolsonaro que autorizou estudos e vazamentos tanto sobre o congelamento do salário mínimo e das aposentadorias quanto sobre a volta da CPMF, ainda que com outra roupagem e com outro nome.

Enfim, a ideia do big bang, que atenderia às prioridades eleitorais do governo, a ser deflagrado com essas propostas ou equivalentes, foi agora enterrada pelo presidente Bolsonaro, com uma nova ameaça: a de levantar o cartão vermelho para alguém da equipe econômica, que Guedes diz não ser ele próprio.

A questão de fundo é a de que Bolsonaro quer, mas não quer e, por querer e não querer, não sabe o que fazer com o cobertor orçamentário curto demais.

O abortamento dos projetos encorpados pela inicial D (desindexar, desonerar, desobrigar), defendidos pelo ministro Paulo Guedes, só tem uma contrapartida positiva: o de até agora renunciar a perfurações no teto das despesas. Mas, ainda que algo turbinado, não evolui do Bolsa Família para o Renda Brasil, não desonera as folhas de pagamentos, não concorre para o aumento do emprego e não diz como pretende avançar nas reformas tributária e administrativa e também nos projetos de desenvolvimento.

Uma das hipóteses é a de que, como já aconteceu com outros superministros (Sérgio Moro e Luiz Henrique Mandetta), Paulo Guedes está esvaziado e já não tem o que fazer no governo.

O problema é que não é ele o principal obstáculo para alguma coisa acontecer. Se Guedes fosse apeado de sua montaria, e completasse a debandada que alcançou cinco dos seus principais auxiliares, também o ministro e outra equipe que o viriam substituir não saberiam por onde recomeçar.

O chefão não quer pagar os preços pelo que tem de ser feito. E, quem sabe, se apegue à ideia de que, afinal, Deus dá mesmo o frio conforme o cobertor.

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