segunda-feira, 24 de maio de 2021

BC AINDA TEM MUITAS DÚVIDAS SOBRE A INFLAÇÃO

Alex Ribeiro, Valor Econômico

O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central parece estar ainda com muitas dúvidas sobre como vai se comportar a inflação daqui por diante, a julgar pelo que andaram dizendo alguns de seus membros nas última semanas.

Numa live do banco Credit Suisse, o diretor de política monetária do BC, Bruno Serra Fernandes, abriu o jogo sobre as duas frentes que podem fazer a inflação subir ou descer: as pressões de oferta e de demanda. Em ambos os casos, pode haver surpresas, para o bem ou para o mal.

Do lado da oferta, ele citou a alta dos preços das commodities em geral e, em particular, do petróleo, que ocorreu em paralelo com uma depreciação cambial. O diagnóstico do Copom é que essa alta é temporária, ou seja, a inflação sobe, mas depois desce. O nível de preços da economia ficaria mais alto e a população teria uma perda de renda real ao fim desse processo, mas lá adiante a inflação voltaria para a meta, que é a forma comum de julgar o trabalho dos BCs.

Serra, porém, mencionou a possibilidade de recuo dos preços. Ele apresentou um gráfico com o índice de cotações de commodities, o chamado CRB, corrigido pela inflação do consumidor e pela taxa de câmbio. No começo do século, esse indicador esteve mais alto, mas durante 15 anos, até 2019, ficou bastante estável. Mais recentemente voltou a subir bastante. “A tendência é que esse tipo de choque tenha uma reversão à média”, disse Serra. “Ou pelo menos que tenha uma estabilidade. É difícil extrapolar esse choque no tempo.”

Serra apresentou, ainda, a tese de que a alta das commodities é um choque de oferta, mas que não pode se separar do choque de demanda que ocorreu durante a pandemia. O pagamento de auxílios emergenciais ao redor do mundo aumentou a renda disponível das famílias. E as famílias, impedidas de consumir serviços, deslocaram parte da demanda para bens. Com o avanço da vacinação e a reabertura das economias, isso tende a mudar de direção. “As pessoas vão voltar a consumir serviços e reduzir um pouco em bens”, disse o diretor do BC.

O diagnóstico de Serra parece muito otimista? Não tanto, considerando a visão dele sobre outro fator central para determinar se a inflação, hoje muito alta, volta ou não para a meta sem um aperto maior nos juros: os preços dos serviços.

Ele apresentou um gráfico que mostra uma forte correlação entre a inflação de serviços 12 meses atrás com a inflação de serviços 12 meses à frente. O recado, basicamente, é que se a inflação de serviços foi baixa, continuará baixa. Hoje a inflação está baixa e, em tese, seguira baixa no futuro.

Mas essa relação não é tão simples assim. Serra lembrou que, no fim das contas, o que determina a inflação de serviços é o nível de ociosidade da economia. “Aqui a gente tem um problema”, reconheceu. O Banco Central não sabe ao certo medir o pulso do mercado de trabalho, depois que houve mudança na coleta dos dados do Caged e da Pnad Contínua, os dois principais termômetros do mercado. O BC está procurando entender o que, de fato, está acontecendo. “É muito difícil, a gente está tentando”, admite.

“Sendo otimista com o mercado de trabalho, a gente vai ter que olhar com cautela os [preços] de serviços”, ponderou. “Sendo pessimista, a gente pode imaginar que os serviços vão ter uma dificuldade maior para recuperar os preços.”

Essa não é uma dúvida só do BC. O questionário pré-Copom mostra projeções do mercado de preenchimento da capacidade ociosa da economia que vão deste ano até 2024.

O resumo é que, hoje, membros do Copom têm muitas dúvida sobre os principais fatores que afetam a inflação e, provavelmente, também sobre onde vão parar os juros mais para o fim do ano.

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As discussões sobre as razões da taxa de câmbio desvalorizada viraram um Fla x Flu, opondo os defensores da tese de que o juro baixo é o principal motivo e, de outro, os defensores de que a culpada é a política fiscal.

A consultoria MB Associados, que tem como economista-chefe Sergio Vale, fez um estudo com um modelo bem simples, mas que mesmo assim tem o mérito de olhar o conjunto mais amplo de variáveis para determinar o peso de cada uma.

Os resultados apoiam os argumentos dos que dizem que é o fiscal que pesa no câmbio fraco. Um exercício contrafactual verifica que o dólar estaria em R$ 4,71 se a dívida bruta do governo geral estivesse em 77% do Produto Interno Bruto (PIB), em vez de rondar os 90% do PIB.

Uma das novidades do modelo utilizado pela MB Associados foi justamente olhar também uma outra variável para observar o risco fiscal, no caso a dívida bruta, além do CDS, tradicionalmente usado. São muitas as críticas dos economistas em relação ao CDS, em parte pela liquidez restrita desse mercado.

A MB Associados utiliza como variáveis explicativas do câmbio o diferencial de juros e de inflação internos e externos, o CDS, os preços de commodities e a expectativa da taxa de câmbio. Em geral, os modelos costumam considerar apenas taxas de juros, CDS e inflação. De certa forma, as commodities estão na inflação, mas têm também um peso no câmbio por outros canais, como a balança comercial.

O resultado é que uma alta de juros de um ponto percentual provoca uma apreciação cambial de 0,81%. Já uma alta de um ponto percentual na dívida bruta tem um impacto de 0,32% no sentido da desvalorização. Note que o coeficiente dos juros é mais alto, mas a alta da dívida bruta foi bem maior do que a alta da Selic. Commodities têm um coeficiente de 0,25, e o CDS, de 0,17.

O estudo também deu uma olhada em como esses coeficientes mudam ao longo do tempo. No caso da dívida pública, saltou de perto de 0,1 em 2016 para os atuais 0,32, o que equivale a dizer que esse fator se tornou mais importante para explicar o câmbio ao longo do tempo. Já nas commodities, a direção foi inversa, de cerca de 0,4 para os atuais 0,25.

O estudo não é o único que procura olhar muitas variáveis Nenhum deles, certamente, acaba com a controvérsia, mas eles contribuem por injetar consistência quantitativa nesse debate com posições arraigadas.

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