Sepúlveda Pertence - Ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (1995-1997) e ex-procurador-geral da República (1985-1989)
Eros Grau - Ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (2004-10) e professor aposentado da USP
Nelson Jobim - Ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (2004-06), ex-ministro da Defesa (2007-11; governos Lula e Dilma) e ex-ministro da Justiça (1995-97; governo FHC)
As colaborações premiadas voltaram à arena pública recentemente. Infelizmente, de forma infame, com acusações do ex-governador Sérgio Cabral contra o ministro José Antonio Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal. Acusações endossadas por delegado da Polícia Federal e vazadas para virar manchete. Como, de fato, virou nesta Folha.
O ponto central aqui não é a falta de credibilidade do delator, condenado a mais de 300 anos de prisão. Nem a motivação para “lembrar-se” do ministro em novo depoimento tanto tempo depois da homologação de seu acordo com a Polícia Federal. Curiosamente, poucos dias depois de o ministro, então presidente do Supremo e a pedido da Procuradoria-Geral da República, determinar o arquivamento dos inquéritos derivados da colaboração. Ressalte-se: o ministro Dias Toffoli não era mencionado nos inquéritos. A “providencial lembrança” veio depois do arquivamento.
O elemento primordial de toda essa trama é a subsistência do Estado democrático de Direito.
Quando um delegado, agente do Estado, a partir da palavra de um delator, investiga um ministro do STF sem autorização e conhecimento da corte e pede abertura de inquérito sem apresentar mínimas provas a corroborar as declarações, há uma sequência de atos ilegais. O ônus da prova ainda cabe a quem acusa.
No caso da imprensa, quando os supostos operadores do esquema sequer são ouvidos antes da publicação, ocorre, na prática, mais uma tentativa de assassinato de reputação. Por justiça, cabe a ressalva de que a ampla maioria da mídia não deu crédito às alegações. Fez o básico: antes de publicar, analisou os elementos vazados e ouviu as pessoas citadas, que desmentiram categoricamente o delator. Mas basta um veículo, a fagulha. Os inimigos da corte e as redes sociais fazem o resto.
Cumpre afastar teorias conspiratórias e o discurso pronto de que o corporativismo impede as investigações de avançar. É necessário que haja debate aprofundado sobre práticas renitentes de cunho antidemocrático e antirrepublicano. Vazamentos seletivos feitos sob medida são armas letais: qualquer um pode ser alvejado e tombar sumariamente no rol dos culpados perante a opinião pública, até prova em contrário.
Teoricamente, confia-se no rigor do trabalho investigativo para evitar que alegações difamatórias ou caluniosas contra pessoas ou instituições prosperem. Teoricamente. Na era da pós-verdade, da informação em tempo real, dos vazamentos seletivos, dos agentes públicos convertidos em justiceiros e dos linchamentos perpetrados nas mídias, o caso em questão é emblemático. Mostra até que ponto podem chegar acusações levianas e criminalizações indevidas, sem base fática ou legal, em total desrespeito às garantias constitucionais. Diante dessa inversão de princípios, o silêncio não é opção.
O STF, por seu papel contramajoritário e pela firme defesa da Constituição e da democracia, tornou-se alvo de manobras de desprestígio que vão além das críticas a seu exercício jurisdicional. Trata-se de verdadeira campanha de deslegitimação e desmoralização da corte e seus membros, a qual serve a propósitos escusos.
Não é de hoje que se chama atenção para ataques à democracia, com disseminação do ódio e promoção do descrédito das instituições. Em 1996, o ex-repórter James Fallows, no livro “Detonando a Notícia – Como a Mídia Corrói a Democracia Americana”, destacou como a mídia, ao apresentar a “vida pública tal qual uma competição entre líderes políticos, a quem os leitores deveriam olhar com suspeita”, contribuía para a deterioração da convivência democrática. A crítica revelou-se profética.
É preciso separar o joio do trigo e não alimentar suspeitas infundadas contra as instituições e seus integrantes. Isso vale para os órgãos de investigação e para a imprensa. Divulgar palavras de delatores sem o mínimo de lastro probatório e a necessária checagem, em nome do “furo” jornalístico e do espetáculo, é contribuir com a subsistência desse fenômeno nefasto que assombra o Brasil e outras nações do mundo. O antídoto para isso está na ação zelosa dentro das balizas bem demarcadas no texto constitucional.
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