O general intendente Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, participou de um comício do presidente Jair Bolsonaro no Rio de Janeiro no dia 23 passado. Esse gesto do general contraria frontalmente os regulamentos do Exército, que proíbem a participação de militares da ativa em eventos de caráter político, como obviamente era o caso da manifestação bolsonarista.
Que ninguém imagine que a imprudência do intendente Pazuello tenha sido um ato isolado ou apenas tresloucado. A gravidade do caso está precisamente no contexto: o militar infringiu normas das Forças Armadas numa manifestação em que o presidente Bolsonaro mais uma vez se referiu a essas Forças como “meu Exército”.
Ou seja, o intendente Pazuello, no instante em que subiu no palanque bolsonarista, deixou de servir o Exército para servir Bolsonaro – que jocosamente se referiu ao general como “nosso gordinho”, sendo que o intendente suportou prazenteiramente a humilhação. Assim, Bolsonaro explorou a oportunidade para reafirmar sua pretensão de submeter as Forças Armadas a seu projeto de poder sem limites.
Mau militar quando esteve na ativa, Bolsonaro manteve sua atitude de desrespeito pelas Forças Armadas mesmo na condição de presidente da República. Esse deboche chegou ao ápice em março passado, quando o presidente afastou os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica depois que estes rejeitaram a demissão do general Fernando Azevedo do Ministério da Defesa. O ministro Azevedo havia resistido às pressões de Bolsonaro para obrigar as Forças Armadas a lhe dar respaldo político e a corroborar suas investidas contra as medidas de isolamento social determinadas por governadores e prefeitos no combate à pandemia de covid-19.
Tendo como modelo a Venezuela chavista, Bolsonaro está empenhado em envolver os militares em suas aventuras golpistas. Enquanto neutraliza o Congresso por meio do contubérnio com o Centrão e procura inocular o vírus do bolsonarismo no Judiciário e nos órgãos de controle, o presidente busca atrair para sua causa deletéria oficiais de baixa patente e policiais militares, numa clara tentativa de minar o poder dos comandantes e criar clima de ruptura de hierarquia, de ordem e de disciplina, pilares das Forças Armadas e das corporações policiais. Na última vez que um presidente da República desafiou esses pilares, em 1964, o resultado foi a instauração de um regime politicamente desastroso, a começar para aquele que incitou a insubordinação militar.
A presença do irrelevante general intendente Pazuello naquele palanque, portanto, tinha o propósito exclusivo de simbolizar a submissão de um militar de alta patente a esse empreendimento autoritário. Pazuello deixou de ser um general do Exército brasileiro para ser um recruta do exército de Bolsonaro.
Não se pode descartar que a presepada de Pazuello no Rio de Janeiro faça parte do lançamento informal de uma eventual candidatura política do general. Afinal, o bolsonarismo fez do escárnio às instituições democráticas seu principal ativo eleitoral – e o que Pazuello fez, ao desafiar as normas do Exército e ao surgir sem máscara numa aglomeração em meio a uma pandemia que já matou mais de 450 mil brasileiros, foi apresentar-se como um autêntico bolsonarista, o que pode lhe render alguns votos da gente ressentida com a democracia.
Os laços do bolsonarismo se forjam no desrespeito pela lei, justamente porque é a lei que iguala a todos. O exemplo é dado pelo próprio Bolsonaro, que cotidianamente desafia normas legais (sanitárias, militares, eleitorais e de trânsito, entre outras) não por desconhecimento ou ignorância, mas por convicção antidemocrática.
Pazuello é um peão nesse perigoso jogo de Bolsonaro, assim como são peões os camisas pardas com cara de mau que se aglomeram para adular seu “mito”, intimidar jornalistas e evocar um golpe militar que enfim dê a ele o poder absoluto que tanto procura.
Pazuello deve ser punido não somente porque desmoralizou sua farda, mas para que afinal o País demonstre que o bolsonarismo não pode tudo.
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