Chefe da PF quer tirar autonomia de delegados em casos de autoridades com foro
O diretor-geral da Polícia Federal, Paulo Maiurino, propôs em um documento enviado ao Supremo Tribunal Federal uma reestruturação interna no órgão que tira a autonomia de delegados nas investigações de autoridades com foro especial e pode conceder superpoderes ao próprio chefe da corporação.
A manifestação ocorreu após pedido da PF para apurar supostos crimes do ministro Dias Toffoli delatados pelo ex-governador do Rio Sérgio Cabral.
Investigadores ouvidos pela reportagem veem na proposta um ataque do novo chefe da polícia às recentes ações do órgão. Eles falam também que se trata de uma tentativa de controle de apurações por parte do diretor-geral. A PF diz que não há prejuízo à autonomia de delegados.
Maiurino afirmou no documento, ao qual a Folha teve acesso, que a “direção da Polícia Federal vem estudando a implementação de mecanismos de supervisão administrativa e estruturação organizacional nos moldes daqueles adotados pela Procuradoria-Geral da República”.
No modelo do Ministério Público Federal, sugerido pelo diretor, todos os inquéritos que tramitam no STF e no Superior Tribunal de Justiça passam por pessoas indicadas e de confiança do procurador-geral da República.
A medida seria necessária, escreveu o diretor-geral indicado em abril pelo presidente Jair Bolsonaro, para a “melhor supervisão das investigações”, de modo a evitar “o ajuizamento de medidas” que refletem “tão somente o posicionamento individual de autoridades policiais”, mas que estão “em dissonância da posição institucional da PF”.
Na prática, na visão de investigadores ouvidos pela Folha, a mudança proposta é uma tentativa de controle e pode dar superpoderes ao diretor-geral porque todas as investigações de autoridades com foro teriam que ter obrigatoriamente uma supervisão da cúpula da PF. Além disso, pedidos de medidas cautelares, como buscas, quebras de sigilo e prisões, necessitariam de ciência prévia de Maiurino.
Atualmente, os chefes estaduais e diretores de áreas são responsáveis por avisar a cúpula sobre possíveis temas sensíveis. Cada gestão estipula o momento pra isso–na noite anterior ou na madrugada antes da deflagração, por exemplo. Nem sempre o diretor-geral fica sabendo de tudo, em razão do sigilo das medidas. Todas as ações são feitas com autorização judicial.
A proposta consta de um memorando produzido pela direção-geral para subsidiar a votação dos ministros no julgamento do recurso da Procuradoria-Geral da República que pede a anulação do acordo de delação de Sérgio Cabral.
Nesse documento, a nova chefia da PF pede aos ministros que analisem a possibilidade de a corporação continuar negociando acordos de delação sabendo que a tal reestruturação resultará em reforço dos “mecanismos de supervisão e orientação institucional”.
O ministro Gilmar Mendes utilizou um trecho do memorando em sua decisão pela anulação do acordo de Cabral.
Antes de citar a manifestação de Maiurino, o ministro diz em seu voto que chamou atenção no caso dos inquéritos com base no acordo de Cabral o fato de o delegado ter o poder de enviar pedidos diretamente ao STF, sem passar por um gabinete central, como no MPF.
Nos bastidores, o memorando é defendido por aliados do diretor-geral como a única forma encontrada para evitar que a discussão sobre a anulação da delação de Cabral resultasse numa mudança de entendimento do STF sobre a possibilidade de a PF fechar acordos de colaboração.
A ideia seria sinalizar que possíveis erros não serão mais cometidos e que haverá um controle maior para evitar acordos vistos como problemáticos.
Por outro lado, delegados ouvidos pela Folha veem a sugestão de Maiurino como retaliação aos dois casos recentes que envolveram investigados com foro: o pedido de inquérito contra Dias Toffoli e o pedido de busca e apreensão contra o ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente).
Seguindo o novo modelo, por exemplo, a solicitação de apuração contra o ministro do STF teria que ter passado por Maiurino, que no passado foi subordinado a Toffoli como chefe da segurança do STF.
Atualmente, a PF centraliza no Sinq (Serviço de Inquéritos Especiais), atrelado à Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado, a maioria dos casos que envolvem autoridades com foro.
Entretanto, há também casos conduzidos por delegados lotados nas superintendências estaduais que tramitam no STF.
A descentralização, segundo relato de delegados, se dá excepcionalmente por alguns motivos. O primeiro e mais importante seria manter o investigador que iniciou a apuração quando não havia envolvidos com prerrogativa de foro.
Outro ponto é a falta de estrutura no Sinq, que não tem equipe suficiente para conduzir todos os inquéritos que tramitam no STF e no STJ.
Um dos casos que está fora do Sinq é o de Ricardo Salles. O inquérito é conduzido pela superintendência do Distrito Federal, que solicitou ao STF as buscas em seus endereços.
Maiurino, no documento enviado ao Supremo, afirma que essa descentralização e a falta de regras no Sinq possibilitam o “ajuizamento de investigações” e a “propositura de medidas invasivas de produção de provas ou medidas cautelares sem qualquer tipo de supervisão ou orientação institucional”.
Ele diz ainda que é necessário seguir o modelo de centralização da PGR para que as representações enviadas ao STF “reflitam o efetivo profissionalismo e tecnicidade” da PF e “não posições isoladas de autoridades policiais que, por inexperiência ou desconhecimento, não levam em consideração a devida ponderação entre os interesses coletivos de segurança pública e os direitos individuais dos investigados”.
Esse trecho, em especial, foi visto por delegados como uma menção indireta aos casos de Toffoli e Salles e um ataque a investigadores.
A cúpula da PF, desde que a Folha revelou o pedido de investigação contra Toffoli e antecipou as buscas nos endereços de Salles, tem criticado nos bastidores o trabalho feito pelos delegados dos casos.
No caso de Toffoli, Maiurino não foi avisado sobre o envio do pedido de instauração de inquérito pelo delegado Bernardo Guidali.
Outra reclamação da cúpula é que Guidali não teria seguido as diretrizes da corporação para os acordos e deveria ter avisado a Justiça sobre citação ao ministro.
O acordo foi todo negociado e executado na gestão anterior da PF e todos os superiores sabiam do andamento do caso.
Por meio de uma nota, a Polícia Federal afirmou que a retirada da autonomia “jamais foi defendida”, que é uma garantia legal e que o diretor-geral “não defende alteração nesse cenário”.
Sobre a supervisão das investigações, a PF disse que refere-se somente a mecanismos de controle já existentes no regimento interno e na atuação da Corregedoria.
Segundo a nota, as mudanças propostas não teriam impacto nas investigações como de Toffoli e Salles, porque “a possibilidade de investigar é da própria essência do inquérito policial e da atividade policial em si”.
Por fim, a PF diz que a direção-geral confia nos policiais que “cumprem com técnica e profissionalismo o seu mister”, tanto nas investigações em geral quanto nas que tramitam perante as cortes superiores.
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