quarta-feira, 13 de abril de 2022

ILEGALISMO AUTORITÁRIO É OBRA DE JURISTAS

Conrado Hübner Mendes, Folha de S.Paulo

Democracias pelo mundo passam por processo gradual de autocratização na última década. Sobretudo algumas emergentes ali pelos anos 90, que buscaram romper, por meio de nova Constituição, com o passado autoritário à esquerda ou à direita.

O Brasil integra esse clube de elite, que reúne Venezuela e Hungria, Polônia e Nicarágua, entre outros. O governo Bolsonaro fez acelerar o processo e virou um dos líderes dessa onda. Um meteoro.

Quem diz isso não é o PT, nem "a esquerda", nem os cavaleiros da távola comunista, mas relatórios globais produzidos por centros de pesquisa no mundo. Seja por qual ângulo se observa (o da democracia, estado de direito, liberdade de expressão, liberdade acadêmica, liberdade de imprensa etc.), as curvas apontam para baixo.

Um dos esforços empreendidos por estudiosos do fenômeno foi entender qual tem sido o papel ou a contribuição do direito nessa história. De que formas um autocrata pode autocratizar o regime sem chamar atenção até que fique tarde demais e os dispositivos de autodefesa da democracia já estejam dilacerados?

A resposta tem sido: reformando, peça por peça, com aparência de regularidade jurídica e procedimental, a espinha dorsal da arquitetura constitucional. De um modo tão dissimulado que deixe os grilos falantes da mensagem "instituições funcionando" cantando tranquilos. A professora norte-americana Kim Scheppele deu a isso o nome de "legalismo autocrático". O termo pegou.

Bolsonaro criou seu repertório para se relacionar com o direito. Entre suas técnicas está a hiperprodução de normas clamorosamente ilegais (decretos, resoluções, portarias), ou, a partir da aliança com Arthur Lira, de uma avalanche de projetos de lei de clara inconstitucionalidade.

A estratégia desafia instituições judiciais, que recebem o peso político de fazer seu dever: declarar a ilegalidade ou inconstitucionalidade da norma. Gera estresse e fadiga da legalidade. Podem haver razões jurídicas óbvias para a invalidação, mas faltam a juízes força e vontade de segurar o rojão.

Conrado Hübner Mendes Professor de direito constitucional da USP, é doutor em direito e ciência política e membro do Observatório Pesquisa, Ciência e Liberdade - SBPC

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