Ao conceder perdão ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), condenado na quarta-feira a oito anos e nove meses de prisão pelo Supremo Tribunal Federal, o presidente Jair Bolsonaro confrontou a Corte como nunca, instalando uma crise entre os Poderes da República, de consequências ainda imprevisíveis. Com base no artigo 734 do Código de Processo Penal, segundo o qual o presidente da República pode conceder “espontaneamente” a graça presidencial, em edição extraordinária do Diário Oficial, Bolsonaro livrou o deputado valentão da prisão, das multas e da cassação de mandato, sentença aprovada na quarta-feira, por acachapante maioria de 10 a 1.
A alternativa que se coloca para os ministros do Supremo é anular a decisão de Bolsonaro, para não serem desmoralizados e ficarem expostos a toda sorte de ataques. O presidente da República exorbitou no decreto, segundo juristas, porque poderia perdoar a pena de prisão, que é de natureza criminal, mas não as multas e a cassação de mandato, que extrapolam o escopo do instituto da graça individual (perdão). Como sabe disso, Bolsonaro tem plena consciência de que escalou uma crise institucional.
Os ministros do Supremo reagiram à medida com incredulidade, não esperavam que o presidente da República fosse além das críticas à Corte. Havia um estresse entre os Poderes desde o começo da semana, em razão do julgamento, mas os recursos apresentados pela defesa de Silveira e a necessidade de uma decisão do Supremo sobre a cassação automática ou não do mandato do parlamentar, pleiteada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), criavam um campo de modulação da sentença e de negociação entre os Poderes. Bolsonaro chutou o pau da barraca.
Segundo a Constituição, a graça poderá ser provocada por petição do condenado, de qualquer pessoa do povo, do Conselho Penitenciário, ou do Ministério Público, ressalvada, entretanto, ao Presidente da República, a faculdade de concedê-la espontaneamente. Juristas afirmam que o alcance do perdão, segundo a Súmula 631 do STJ, extingue os efeitos primários da condenação, mas não os efeitos penais e extrapenais secundários.
O deputado Daniel Silveira foi condenado a 8 anos e 9 meses de prisão, além da perda de mandato e de seus direitos políticos, por incitar atos de violência contra instituições democráticas e ameaçar ministros do Supremo, principalmente Alexandre de Moraes, relator do seu processo e desafeto do presidente Bolsonaro. No mesmo dia do julgamento, o presidente da Câmara solicitou que o Supremo concluísse o julgamento de um caso que trata desse assunto, mas não é diretamente ligado ao deputado Daniel Silveira: o julgamento do deputado Paulo Feijó (PR-RJ), que teve o mandato cassado. À época, era presidente da Câmara Rodrigo Maia, então no DEM, que questionou o STF dizendo que cabia à Casa a palavra final sobre seu mandato.
A decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) condenou o deputado federal Paulo Feijó (PR), a 12 anos, 6 meses e 6 dias de reclusão em regime inicial fechado, além do pagamento de mais 374 dias-multa pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O relatório da ministra Rosa Weber determinava a perda do mandato parlamentar e sua interdição para exercício de cargo ou função pública de qualquer natureza e de diretor, membro de conselho de administração ou de gerência das pessoas jurídicas citadas na lei de combate à lavagem de dinheiro, pelo dobro da pena privativa de liberdade aplicada.
Linha de fronteira
À época, por unanimidade, os ministros decidiram pela perda do mandato de Feijó com base no artigo 55, inciso III, da Constituição Federal, que prevê essa punição ao parlamentar que, em cada sessão legislativa, faltar a um terço das sessões ordinárias, exceto se estiver de licença ou em missão autorizada pelo Legislativo. Os ministros entenderam que, neste caso, em vez de ser submetida ao Plenário, a perda de mandato deve ser automaticamente declarada pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados.
Então presidente da Casa, Maia recorreu da decisão, mas seu recurso não chegou a transitar em julgado porque o mandato acabou. A Advocacia-Geral da União naquela ocasião havia se manifestado pela prerrogativa exclusiva do Parlamento para decidir sobre a perda de mandato de congressista condenado criminalmente, no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 511, que discute se cabe ao Legislativo ou ao Judiciário a última palavra nessas situações. Lira quer que a Corte conclua o julgamento sobre a questão.
Ainda há divergências entre os ministros do Supremo sobre a perda do mandato ser automática ou depender também de votação na Câmara. Uma ala defende a perda imediata; outra, não. Antes do recesso, o Supremo deveria tomar uma posição sobre essa questão, mas agora terá que agir mais rápido e tratar diretamente do caso Silveira, que estressa as relações entre os Poderes, mas é paradigmático em razão dos frequentes ataques do presidente Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal (STF).
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