Sociólogo, professor emérito da UFRJ, autor, entre outras obras, de "A Sociedade Incivil" e "Pensar Nagô".
Palavras cruzadas, charadas e pequenos enigmas são velhos recursos de jornais e revistas para entreter certas classes de leitores. Mas quando coisas dessa ordem se estendem à esfera política, o interesse público é obrigatoriamente mais amplo.
Exemplo marcante vem de especulações de natureza diversa a propósito de uma "terceira via" na eleição. Ninguém explica por que seria terceira, considerando-se que, entre as existentes, só uma é polo extremo, longe da expectativa democrática de restauração civil.
Talvez ajude imaginar um jogo em que uma bola corra sozinha em campo sem que se saiba por quê, à espera de alguém que a agarre e lhe dê uma definição. Até agora, em nenhum momento, ninguém se arriscou a resolver o enigma, embora a bola continue correndo, aparentemente refratária, como mercúrio: já driblou muita gente.
Um chute inicial foi dado pelo ex-governador gaúcho. Embora tenha apoiado a eleição do atual presidente, se apresentou ainda no cargo como virtual opositor federal. Como costuma acontecer com os políticos convictos de que é dispensável a formulação de um projeto nacional, o postulante reduziu a provável expectativa de uma carta de intenções ao tamanho de um cartão de visitas, em que simplesmente fazia uma honesta declaração de gênero.
Mas é possível que, até no país onde dirigentes se sucedem no poder sem que se saiba exatamente por que ali estiveram, isso ainda baste para impressionar uma plataforma política com pretensões a mediar uma polarização das mais quentes.
O resto já é história: o governador perdeu para o colega paulista a indicação partidária. No começo, não aceitou bem o resultado da convenção, depois fingiu contemporizar, depois renunciou ao cargo, depois anunciou que seria novamente candidato a governador, depois passou a articular candidatura à vice-presidência numa provável chapa com uma senadora.
E como numa história dessas, os personagens não precisam de nomes, porque funcionam ao modo de velho jogo infantil em que as peças apenas se deslocam a partir de uma casa vazia, saindo vencedor quem as enfileira em menos tempo.
Não é jogo estranho ao da política nacional, em que ninguém diz realmente a que vem, embora isso fique mais claro na polarização entre restauração civil e barbárie confessa. Entretanto é totalmente análogo ao enigma da terceira via, que não se sabe mesmo o que significa.
Lembra mesmo a casinha vazia do jogo, ou seja, só um zero para que pessoas marquem presença pífia nas pesquisas e se movam em torno do fundo partidário. Esta é a meta real, o poder de gastar dinheiro. E o deslocamento real é sem sentido nem consistência política, como fica claro no frenesi de posições. Mas parece que ninguém dá bola para isso.
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