As medidas de cortes de gastos do governo estão na
avaliação jurídica antes do anúncio. Uma tarefa árdua num orçamento tão
engessado
O acordo interno do governo sobre as medidas fiscais tem
mais relevância do que parece. Normalmente, em qualquer governo, há visões
diferentes de onde se esteja. Nesse,
a Casa Civil quer mais investimento para viabilizar o PAC e a Fazenda quer
reforçar o arcabouço fiscal. Os dois ministérios chegaram em entendimento
sobre isso e agora é redação, avaliação jurídica e anúncio. A estratégia para
abreviar o tempo no Congresso será apensar as medidas a alguma proposta de
emenda constitucional que esteja tramitando. O que se fala no governo é que a
dinâmica dos gastos obrigatórios tem que ser compatível com os limites do
arcabouço fiscal. Isso é bem difícil.
O arcabouço permite um crescimento de
despesas, mas com limites estreitos. Elas podem subir acima da inflação dentro
de uma banda de 0,6% a 2,5%, e apenas 70% da alta real das receitas. É dupla
trava. O economista Samuel Pessoa diz que o arcabouço foi bem recebido quando
foi votado, mas todo mundo viu que havia inconsistências. Uma delas é
exatamente o que é mais caro para o presidente Lula.
—A regra de indexação dos benefícios ao salário mínimo é
incompatível com o arcabouço porque ele eleva o custo das políticas públicas
vinculadas ao salário mínimo a uma velocidade maior do que o limite. Entende-se
perfeitamente o desejo do presidente Lula de dar aumento real ao salário
mínimo, ele deseja que o ganho de produtividade da sociedade seja compartilhado
com os trabalhadores de baixa renda. Mas a indexação dos benefícios ao salário
mínimo, que está tendo aumento real, gera crescimento das despesas públicas a
uma velocidade insustentável. Há outra inconsistência. Os gastos de saúde e
educação crescem 100% da receita corrente líquida.
Não é fácil a vida de quem quer fazer ajuste fiscal. Há
pressões de cada ministério setorial, há desejos do governo de ter a gestão
aprovada pela população, há mudanças do país que impactam principalmente os
gastos com a previdência. O orçamento é engessado. Existem mínimos
constitucionais para saúde e educação. Como resolver essa equação tem sido o
tormento de todo governo que tenta a sério ajustar as contas públicas. O
ministro Fernando
Haddad e a ministra Simone Tebet têm
tentado seriamente. Antes de tudo, tiveram que consertar os estragos do
vale-tudo eleitoral que foi a política econômica de 2022.
A dívida pública está alta e subindo, o déficit a alimenta,
tanto quanto os juros altos. Reduzir a Selic, sem queda da inflação, pode ter
efeito bumerangue porque alimenta a desconfiança, a inflação e contrata juros
mais altos e elevação do risco. Por isso, a solução é ajuste das despesas, mas
quando os economistas bradam “cortem os gastos” são poucos os que saberiam
dizer exatamente onde cortar se estivessem no governo, dadas as limitações
constitucionais que existem. É uma construção árdua de consensos técnicos e
políticos para se avançar em qualquer reforma na estrutura dos gastos públicos
no Brasil. Em entrevista na porta da Fazenda, o ministro Fernando Haddad
confirmou que está na fase final da preparação das medidas.
— O meu trabalho é esse, tentar entregar a melhor redação
possível para que haja compreensão do Congresso e nós possamos sair desse
redemoinho que não faz sentido à luz dos indicadores econômicos do Brasil.
Ontem mesmo saiu o dado
do Caged de criação de 248 mil vagas em setembro, a PNAD do IBGE deve mostrar
hoje nova queda da taxa de desemprego para 6,5%. E o PIB está
crescendo ao ritmo de 3%, acima do esperado pelo segundo ano consecutivo.
O problema é que a inflação
não dará sinais de alívio nos próximos meses, exceto na conta de luz. O
petróleo está caindo, mas seu efeito é anulado pela alta do dólar. A
inflação de outubro deve vir em 0,51%, segundo a LCA. A consultoria projeta em
4,7% em 12 meses devido à alta dos alimentos. O item mais delicado, alimentação
no domicílio deve ficar acima de 1% em cada um dos três meses finais do ano, e
deve fechar o ano, segundo a MB Agro em 7,6%. A queda do preço da carne já foi
completamente revertida este ano, em que o item subiu forte pelo fim do ciclo
do boi, que havia beneficiado o consumidor no ano passado. Tudo isso cria esse
quadro de economia com boas notícias sim, mas com pontos de preocupação e essa
real necessidade de ajuste fiscal para fortalecer o marco fiscal.
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