O olhar exclusivo para os testes de avaliação é
ruim
Um dos passos positivos da educação a partir do final do
século XX foi a adoção de práticas de avaliação como o Ideb e o Enem, no
Brasil, e os testes de avaliação internacional do Pisa. Passamos a avaliar as
escolas em função do número de alunos aprovados para ingresso na universidade.
Os governos comemoram o aumento total do número de matriculados no ensino
superior e as escolas exibem cartazes com fotos dos ex-alunos aprovados. Não
se avalia, contudo, o impacto da educação de base sobre os que não chegam ao
ensino superior. É como se o propósito da avaliação de todo o sistema
educacional fosse saber o sucesso de um vestibular, sem importar como ficaram
os que não ingressaram, nem para que serviu entrar. Como se só importasse
quantos chegam a uma ponte, sem considerar quantos não chegaram a ela e quantos
alcançam o outro lado, nem qual o destino seguido depois pelos que conseguiram
atravessá-la.
A avaliação da educação não tem levado em
conta quantos não se matriculam no ensino fundamental, quantos abandonam a
escola e ficam para trás no analfabetismo pleno ou funcional, quantos não
concluem o ensino médio com qualidade e vivem despreparados para o mundo
contemporâneo. A educação de base não tem sido avaliada como plataforma para
lançar o jovem no mundo em que viverá, buscando sua felicidade pessoal e sua
participação na construção de um mundo melhor. O que tem importado, insista-se,
é quanto aumentou o número de alunos no ensino superior.
“É como se só importasse quantos chegam a uma ponte, e
não quantos alcançam o outro lado”
As escolas não são avaliadas para saber
se cada aluno concluiu sua educação de base sabendo falar, entender, escrever,
criticar na língua portuguesa; se ficou fluente em pelo menos um idioma
estrangeiro; se recebeu noções de oratória, para saber se expressar na vida
social e profissional; se está preparado para entender o mundo ao conhecer
ciências, história, geografia, filosofia; se aprendeu noções e conhecimentos
que lhe facilitem deslumbrar-se com as artes; se adquiriu consciência
necessária para se solidarizar com a humanidade; perceber a necessidade de
desenvolvimento sustentável e solidário com a natureza e com os seres humanos;
se adquiriu habilidade para o desempenho de um ofício que lhe permita emprego
ou empreendedorismo para assegurar renda satisfatória; ser capaz de continuar
aprendendo mesmo depois da escola; e, para os vocacionados, o conhecimento
necessário para disputar vaga nos melhores cursos das melhores universidades.
A avaliação da educação precisa ser educada para deixar de
ser apenas uma régua estatística. É fundamental levar em conta não apenas
quantos ingressam, mas quantos concluem os cursos, quais as necessidades do
curso, qual o efeito da formação na inserção profissional do aluno na sociedade
e o valor do que aprendeu para ajudar a construir o país, sobretudo qual o seu
preparo para se reciclar profissionalmente ao longo da vida.
É preciso educar a avaliação para que sirva ao seu
verdadeiro papel: indicar se a educação está oferecendo a cada pessoa, desde a
infância, o mapa para sua vida pessoal e para suas atividades sociais na
direção de aumentar o grau de riqueza, liberdade, justiça, civilidade no país
onde vive. Não há outro caminho para encaminhar um Brasil mais justo.
Publicado em VEJA de 29 de novembro de 2024, edição nº 2921
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