O programa de ajuste é insuficiente porque não se trata
de redução efetiva de gastos
O comentário mais benevolente sobre o pacote de corte de
gastos diz o seguinte: está na direção correta, mas é insuficiente. O programa
de ajuste é insuficiente porque não se trata de redução efetiva de gastos.
Explicando: não é que o governo vá gastar no ano que vem menos do que gasta
agora. Gastará mais. Onde o ajuste, então? No seguinte: o governo gastará menos
do que gastaria se não tomasse as medidas de contenção.
Considerem a regra proposta para o reajuste do salário
mínimo: mantém o ganho real, acima da inflação, porém
menor que a regra atual (correção pela inflação, mais a expansão do PIB). Aliás, há
aqui uma maldade: o salário mínimo do ano que vem, aprovado o pacote, será
menor que o previsto atualmente.
Promover aumento real para o salário mínimo
é uma política de distribuição de renda. Ocorre que, por decisão do
governo Lula,
o mínimo é indexador do piso das aposentadorias pagas pelo INSS.
É um impacto importante na despesa previdenciária, de longe a maior no
Orçamento federal. Dos 39 milhões de beneficiários do INSS, cerca de 26 milhões
recebem o mínimo.
O gasto com aposentadorias cresce naturalmente todo ano.
Mais pessoas se aposentam, dado o envelhecimento da população. O valor das
aposentadorias deve ser protegido. Pode-se fazer isso corrigindo pela inflação.
É assim que funcionam os sistemas previdenciários do mesmo modelo do
brasileiro. Portanto, mesmo sem o reajuste real do mínimo, a despesa com
Previdência teria crescimento real apenas pelo aumento do número de
beneficiários. Acrescentando aí o ganho real do mínimo, pago a 66% dos
aposentados, a despesa tem um crescimento acelerado.
Por isso, uma das propostas mais duras era justamente
eliminar essa indexação entre o salário mínimo e o piso do INSS. Como Lula
rejeitou de pronto essa ideia, encontrou-se um quebra-galho: o mínimo e, pois,
o piso previdenciário terão aumento real, mas um pouquinho menor.
Temos aqui um belo exemplo gerado pela tortuosa construção
do pacote. Era preciso conter o crescimento explosivo da despesa
previdenciária; como Lula fazia questão de manter a indexação, optou-se por um
ganho menor do salário mínimo dos trabalhadores na ativa. Tem uma maldade, e a
despesa previdenciária segue crescendo acima da inflação e da receita. Trata-se
de despesa obrigatória, cuja expansão restringe os gastos discricionários,
aqueles com investimentos e custeio da máquina governamental.
Esse era o problema real do arcabouço fiscal: as despesas
obrigatórias (incluindo salários do funcionalismo, benefícios sociais, educação
e saúde), que já consumiam pouco mais de 90% do Orçamento, apresentavam
expansão forte, acima do crescimento da receita e acima da inflação. Mantido
esse ritmo, o futuro apontava para duas consequências desastrosas: o governo
ficaria quase sem dinheiro para investir e tocar a máquina; e a dívida pública
explodiria.
Quando começou o governo Lula, a dívida pública representava
71,7% do PIB, já elevada para um país emergente. Hoje, com os dados até
outubro, chegou a 78,6%, algo como R$ 9 trilhões, segundo dados do Banco
Central. Subiu pelo mais óbvio motivo: o governo gasta mais do que arrecada.
Precisa tomar dinheiro emprestado para fechar as contas.
Mesmo com o pacote, o gasto público continuará crescendo
mais que as receitas, mas em ritmo menor. Com isso, dá uma sobrevida ao
arcabouço, mas Haddad certamente terá de voltar às planilhas, em condições até
mais difíceis.
Dívida alta indica que o governo gastará cada vez mais com
os juros da dívida. Já paga mais caro para colocar no mercado os títulos do
Tesouro. O dólar caro
é sinal dessa “incerteza fiscal”. Dólar alto dá inflação.
O presidente do Banco Central disse várias vezes que só
havia um jeito de os juros caírem: com um choque fiscal, a sinalização de
cortes efetivos. Saiu um quebra-galho. O BC vai puxar os juros. Eis o ambiente:
inflação em alta, juros para cima, dólar caro, tudo atrapalhando o crescimento.
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