A gente perdoa golpe para dar à instituição golpista uma
nova chance
— Tô perto da posição, vai cancelar o jogo?
— Abortar... Áustria volta para local de desembarque, ainda
estamos aqui.
— Gana prossegue para resgate com Japão.
— Brasil já foi para ponto resgate.
O diálogo
entre Gana, Áustria, Japão e Brasil, codinomes dos executores do plano de
sequestro e assassinato da "professora", codinome de Alexandre
de Moraes, ilustra momento mais dramático da operação bolsonarista do
golpe. "Por onde anda a professora?", perguntava Mauro Cid pouco
antes. "Informação de que foi para escola em SP". Talvez se
referissem à faculdade
onde o ministro leciona.
"Brasil já foi para ponto resgate" nos deu uma
metáfora notável. Desses achados que sintetizam uma época. Está em curso, de
novo, o "resgate" da instituição militar contra sua sujeição a
controle constitucional. A tradição de leniência perante nossa maior
instituição de delinquência política volta a mostrar sua força.
Para esse resgate, é crucial distinguir a
instituição dos indivíduos que a compõem, estratégia analítica refinada, mas
com limites. Afirma-se que
a instituição não tem responsabilidade sobre os crimes cometidos por
alguns de seus membros, que merecem ser responsabilizados. Preserva-se a honra
da instituição na expectativa de que só se consiga ver crimes individuais e não
a corrupção institucional.
Outra vez buscamos saber se há militares legalistas que
resistem a golpistas. Se algum dia houve legalistas sinceros ou apenas
legalistas hipócritas. Se, na brecha para atacar a democracia, os
"legalistas" decidiram não embarcar porque se subordinam à lei ou
apenas ao medo da derrota, do risco de serem presos ou de perderem alguma
sinecura. Se, no final das contas, a cúpula da instituição se resume a
golpistas ativos e golpistas passivos.
A crueza das informações
documentadas pela Polícia Federal traz provas para atribuição de
responsabilidades individuais aos militares que cometeram crime. Não puni-los
seria convite para a reincidência.
João Castro Rocha lembrou: "Houve duas tentativas de
golpe contra Juscelino. Na primeira, JK anistiou o líder do golpe. O que fez o
líder anistiado? Tentou segundo golpe contra JK junto com o capitão Burnier.
Jânio anistiou Burnier. Ele foi um dos artífices do golpe de 1964. E foi dos
mais abjetos torturadores da ditadura. Foi quem principiou a torturar o
ex-deputado Rubens Paiva e ajudou a transformar a Aeronáutica num dos centros
de tortura da ditadura."
E concluiu: "É isso que acontece quando se anistia um
golpista. Ele volta mais forte."
A receita vale para a delinquência individual, mas sobretudo
para a institucional. As estruturas de fundo e a mentalidade vigente nas Forças
Armadas facilitam insubordinação à democracia constitucional.
Permanecem blindadas por esse consórcio entre duas tradições
da covardia: a covardia militar, que opta pela ditadura quando a democracia não
atende seus delírios de grandeza; a covardia civil, que prefere "não
mexer" com militares.
Vai sair caro absolver as dezenas de milicos que praticaram
crime. Vai sair muito mais caro anistiar a instituição militar. Preservar sua
isenção ao controle civil e a qualquer demonstração de competência e
integridade: a Grande Anistia será essa.
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