Revelações da PF sobre golpe provam que leniência de Lula
com militares não é mais opção
As revelações do relatório da Polícia
Federal sobre a trama golpista impressionam pela quantidade de
detalhes e pela ousadia do grupo de militares que estava disposto até a matar
para impedir que o resultado da eleição presidencial de 2022 fosse respeitado.
Mas ninguém que tenha seguido o noticiário no Brasil desde que Jair
Bolsonaro foi eleito pode alegar surpresa.
As investigações deixaram claro que os surtos golpistas de
Bolsonaro já eram acompanhados por articulações no submundo militar desde 2021,
quando se desenhou um plano de fuga do então presidente para o exterior, caso
uma tentativa de virar a mesa não desse certo.
Foi um período conturbado. Começou com a renúncia conjunta
dos três comandantes das Forças
Armadas, que se recusaram a aderir ao decreto de Garantia da Lei e da Ordem
ou ao Estado de Sítio desejados por Bolsonaro para acabar com o isolamento
social contra a Covid-19, decretado por prefeitos e governadores e chancelado
pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
O novo comando, subserviente a Bolsonaro,
decidiu não punir o general Eduardo Pazuello por ter desrespeitado o regimento
militar subindo no palanque de um ato político. E não só fez que não viu o
golpismo do então presidente, como o incentivou, ao boicotar o trabalho de
auditoria promovido pela Comissão de Transparência do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE).
O próprio Freire
Gomes, que agora aparece como herói no relatório da PF por ter ameaçado
Bolsonaro de prisão caso seguisse com o plano de golpe, chegou a protelar a
divulgação do relatório mostrando que nunca houve fraude nas eleições. Ainda
assinou uma carta apoiando o “direito à manifestação” dos acampados nas portas
dos quartéis. Quando finalmente o comandante do Exército deu um basta à
conspiração, uma pletora de fardados já circulava pela Esplanada tentando
evitar a posse de Lula,
bolando assassinatos, sequestros e explosões de bombas.
Pode-se até aceitar a alegação de que Freire Gomes se
equilibrou como pôde para impedir o golpe sem perder o controle da tropa —
embora já fosse de conhecimento público que Bolsonaro, quando pressionado,
recua, como fez desistindo de assinar o decreto golpista. Que Lula tenha
recorrido à mesma desculpa, é mais difícil de entender.
O presidente preferiu ignorar os alertas de interlocutores
da caserna e nomeou como seu comandante do Exército o general Júlio Arruda. Em
condições normais, Arruda seria o candidato natural, por ser o primeiro na
linha de antiguidade do generalato. Mas, como era também um kid preto, egresso
das Forças Especiais, temia-se que fosse próximo demais dos golpistas para
discipliná-los. E foi.
Lula só demitiu Arruda depois que ele se recusou a barrar a
posse de Mauro
Cid no 1º Batalhão de Ações de Comandos, em Goiânia (GO),
e resistiu à entrada da Polícia
Militar nos acampamentos na noite do 8 de Janeiro. Mesmo depois de
superado o trauma dos ataques, o presidente e o ministro da Defesa, José
Múcio Monteiro, recorreram ao discurso da pacificação e enterraram toda e
qualquer providência que pudesse melindrar os militares.
Primeiro, desidrataram a iniciativa de parlamentares
petistas de reescrever o artigo 142 da Constituição, que os golpistas
pretendiam usar para justificar a intervenção.
Depois, deram à Defesa a maior fatia do orçamento do
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) — R$ 52,8 bilhões. E protelaram ao
máximo a reabertura da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos
Políticos, que tinha sido prometida para os primeiros meses de mandato, mas só
foi criada em julho passado.
Até outro dia, Mucio ainda se referia aos acampamentos como
inofensivos. Chegou a defender alguma forma de anistia aos envolvidos em “casos
leves”.
O relatório da PF demonstrou não só que os acampados eram
manobrados pelos golpistas alojados no Palácio do Planalto, mas também como, no
momento em que a democracia correu mais risco, ficamos à mercê da firmeza e do
bom senso de comandantes sobre os quais não se tinha a menor garantia.
A única forma de impedir que uma nova ameaça à democracia
ressurja ali na frente é trabalhar por mecanismos estruturais, institucionais e
perenes para tirar os militares da política e circunscrevê-los aos quartéis.
Vetar oficiais da ativa em cargos de comissão no governo federal ou botar carga
no projeto que proíbe a candidatura desses oficiais da ativa seriam bons
começos. O que não faz mais sentido é apostar na acomodação e na leniência. A
história já mostrou que pode custar caro demais.
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