domingo, 17 de novembro de 2024

ESTABILIDADE NO BRASIL É ANOMALIA GLOBAL

Editorial Folha de S. Paulo

Garantia, que trava a gestão, vale para 65% dos servidores e deveria ser limitada a pouco mais de 10% em funções de Estado

O Brasil é o país que mais concede estabilidade plena a seus servidores públicos, o que torna extremamente difícil gerir o quadro de pessoal —seja por mau desempenho, obsolescência da função ou até para simples ajuste da máquina estatal.

A estabilidade remonta a 1915, quando uma lei federal determinou que funcionários com mais de dez anos no cargo só seriam dispensados após processo administrativo. Ao longo do século 20, as regras foram sendo relaxadas, até que a amarra se consolidasse no Estatuto do Servidor Público Federal, de 1990.

O resultado é que atualmente 70% do funcionalismo na União tem estabilidade. Incluídos estados e municípios, exorbitantes 65% dos 12,1 milhões de empregados pelo Estado brasileiro gozam do privilégio.

Embora aqui não seja exagerado o número de servidores, não se encontra paralelo no mundo em abrangência e vantagens que a estabilidade proporciona.

Na pandemia, quando empresas privadas se viram obrigadas a demitir e cortar salários autorizadas por medida provisória, os funcionários estáveis seguiram incólumes e sem cortes nos vencimentos.

Países como Reino Unido, Espanha e Alemanha têm bem menos trabalhadores nessa condição. Na maioria dos casos, a prerrogativa, quando existe, é restrita às carreiras de Estado —sem equivalentes no setor privado, como policiais, juízes e auditores fiscais.

Nesses casos, a proteção do emprego se justifica por assegurar o cumprimento das tarefas com autonomia ante o poder político e econômico.

No Brasil, três quartos dos servidores atuam em funções amplamente encontradas no mercado, como pessoal administrativo, professores e médicos. Pouco mais de 10% estão em funções típicas do setor público.

As poucas tentativas de alterar essa situação desde os anos 1990 têm sido barradas pelo lobby corporativista, que o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e boa parte do Congresso se recusam a enfrentar.

Em importante decisão recente, o Supremo Tribunal Federal abriu espaço para contratações pelas normas da CLT, o que, em ao menos em tese, concede mais flexibilidade à gestão. Ainda é preciso observar, no entanto, como tal abertura se dará na prática.

Segundo pesquisa Datafolha, 8 em cada 10 brasileiros defendem que funcionários públicos possam ser demitidos por má avaliação; 71% se posicionam a favor de uma reforma que mude a forma de escrutiná-los. Uma minoria (41%) aprova os serviços oferecidos.

A estabilidade precisa ser revista não para permitir demissões em massa, dado que não se verifica um excesso geral de quadros no país, mas para incentivar a produtividade de um Estado que consome cerca de um terço da renda nacional em impostos.

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