Encontro não trará anúncios de vulto capazes de projetar
Brasil — e, mesmo ausente, Trump fará sombra ao evento
O encontro dos líderes do G20 no Rio de Janeiro será uma
espécie de teste para a política externa do presidente Luiz Inácio Lula da
Silva. É o primeiro dos dois eventos globais sediados pelo Brasil neste mandato
— o outro será a 30ª Conferência do Clima da ONU (COP30), programada para 2025
em Belém. Com a cúpula das 20 maiores economias do mundo e convidados, Lula
recepcionará representantes de 40 países. Entre eles, os líderes das duas
maiores potências do planeta: o americano Joe Biden e
o chinês Xi
Jinping. O encontro traz um sinal positivo de retorno do Brasil à cena
global e lançará os holofotes sobre o país. Ao mesmo tempo, também evidencia as
limitações da diplomacia petista. Não há como evitar concluir que as pretensões
brasileiras a exercer maior protagonismo se frustraram com a vitória de Donald
Trump nas eleições americanas. Mesmo ausente, Trump certamente fará sombra
sobre as discussões.
Na visão dos formuladores da política
externa brasileira, o Brasil tem condição de liderar coalizões de países em
desenvolvimento para obter concessões das nações mais ricas nos fóruns
internacionais. Vem daí o investimento em grupos como o Brics e a insistência
em falar num certo “Sul Global”, termo que ganhou vulto em salões diplomáticos
de menor relevância.
A ideia motriz dessa diplomacia não é nova: num mundo visto
como multipolar, argumentam seus defensores, é mais vantajoso para uma potência
média como o Brasil não se alinhar automaticamente com quem quer que seja. Não
é uma ideia absurda. Tudo depende de como é posta em prática num cenário que,
na realidade, tem ganhado contornos do mundo bipolar dos tempos da Guerra Fria.
Com isso, a estratégia de Lula tem resultado na oposição sistemática aos
Estados Unidos e países ocidentais, em benefício do eixo China-Rússia.
O efeito dessa estratégia têm sido operações fracassadas,
como a tentativa malograda de encontrar uma saída negociada para a fraude
cometida pelo ditador venezuelano Nicolás Maduro. Ou a dificuldade de assinar
com a União Europeia um acordo comercial com o Mercosul que, para todos os
efeitos, já havia sido fechado no governo anterior.
As negociações dentro do G20 são outra evidência de que a
estratégia não tem funcionado. Defendida pelo Brasil, a Aliança Global contra a
Fome e a Pobreza deverá ser uma das principais marcas do encontro. Com previsão
de durar seis anos, terá como objetivo usar recursos de organismos
internacionais. Cada país poderá entrar como doador ou beneficiário e contará
com um leque de opções de programas de combate à fome. Mesmo que tenha
continuidade, não há sinal algum de concessões ou de garantias de financiamento
capazes de mudar o quadro global da fome. Até o momento, não passa de uma
jogada de marketing de Lula.
Outras prioridades defendidas pelo Brasil no G20 continuam
incertas. Em encontros preparatórios, faltou consenso sobre o tema mais
espinhoso: a reforma da governança global, ainda hoje sujeita aos mecanismos
criados depois da Segunda Guerra. Como esperado, as maiores potências não
apoiam as propostas do Brasil, do contrário perderiam poder.
Embora seja esperada a assinatura de um acordo entre Lula e
Biden sobre energia limpa, a iniciativa cairá no vazio assim que Trump estiver
na Casa Branca. E, para entender as dificuldades nas negociações sobre
transição energética, nem é preciso recorrer ao negacionismo climático de
Trump. O próprio Lula nem sequer consegue decidir se quer explorar petróleo na
Margem Equatorial do Amazonas.
Devido à resistência de vários países, também é pouco
provável que a declaração final do evento contenha decisões significativas
sobre temas ainda mais polêmicos, como a taxação dos super-ricos ou a igualdade
de gênero. Na hipótese de entendimento, ainda que Biden esteja entre os
signatários de um documento mais contundente, tudo também deixará de valer para
os Estados Unidos a partir da posse de Trump em janeiro.
A guerra entre Rússia e Ucrânia é outra questão que emperra
negociações. No encontro do G20 na Indonésia, há dois anos, houve acordo para
condenar a invasão russa e pedir a retirada de tropas. Na Índia, no ano
passado, o documento final omitiu qualquer crítica, lamentando apenas o
sofrimento dos ucranianos.
É natural que, por reunir democracias e ditaduras, líderes
de direita e de esquerda, países com leis e costumes liberais e conservadores,
economias ricas e em desenvolvimento, produtores e importadores de petróleo,
nações com diferentes tamanhos de território e população, o G20 seja uma
plataforma em que o consenso é sempre limitado. Avanços, quando acontecem, são
incrementais.
Por isso, Lula não deveria sonhar com um sucesso estrondoso
no Rio. Sua preocupação deveria ser evitar que a reunião seja marcada por
declarações desastrosas. Ele também faria bem se aproveitasse a oportunidade
para revisar as premissas da política externa que já fracassaram. Tentativas de
montar coalizões falharam até na América Latina, e é falaciosa a ideia que os
países ricos do Ocidente só prestam atenção ao Brasil quando seus interesses
são contrariados. Olhando para frente, a dificuldade do Brasil na arena
internacional tende a piorar. Trump é contrário a várias das bandeiras
brasileiras — da defesa do meio ambiente ao multilateralismo, há pouca margem
para entendimento. Uma vez que o encontro só trará as imagens de congraçamento
de praxe, sem anúncios de vulto capazes de projetar o Brasil, pode ser uma hora
propícia para encetar um freio de arrumação na política externa.
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