domingo, 17 de novembro de 2024

G20 É OPORTUNIDADE PARA REVISÃO NA POLÍTICA EXTERNA

Editorial O Globo

Encontro não trará anúncios de vulto capazes de projetar Brasil — e, mesmo ausente, Trump fará sombra ao evento

O encontro dos líderes do G20 no Rio de Janeiro será uma espécie de teste para a política externa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. É o primeiro dos dois eventos globais sediados pelo Brasil neste mandato — o outro será a 30ª Conferência do Clima da ONU (COP30), programada para 2025 em Belém. Com a cúpula das 20 maiores economias do mundo e convidados, Lula recepcionará representantes de 40 países. Entre eles, os líderes das duas maiores potências do planeta: o americano Joe Biden e o chinês Xi Jinping. O encontro traz um sinal positivo de retorno do Brasil à cena global e lançará os holofotes sobre o país. Ao mesmo tempo, também evidencia as limitações da diplomacia petista. Não há como evitar concluir que as pretensões brasileiras a exercer maior protagonismo se frustraram com a vitória de Donald Trump nas eleições americanas. Mesmo ausente, Trump certamente fará sombra sobre as discussões.

Na visão dos formuladores da política externa brasileira, o Brasil tem condição de liderar coalizões de países em desenvolvimento para obter concessões das nações mais ricas nos fóruns internacionais. Vem daí o investimento em grupos como o Brics e a insistência em falar num certo “Sul Global”, termo que ganhou vulto em salões diplomáticos de menor relevância.

A ideia motriz dessa diplomacia não é nova: num mundo visto como multipolar, argumentam seus defensores, é mais vantajoso para uma potência média como o Brasil não se alinhar automaticamente com quem quer que seja. Não é uma ideia absurda. Tudo depende de como é posta em prática num cenário que, na realidade, tem ganhado contornos do mundo bipolar dos tempos da Guerra Fria. Com isso, a estratégia de Lula tem resultado na oposição sistemática aos Estados Unidos e países ocidentais, em benefício do eixo China-Rússia.

O efeito dessa estratégia têm sido operações fracassadas, como a tentativa malograda de encontrar uma saída negociada para a fraude cometida pelo ditador venezuelano Nicolás Maduro. Ou a dificuldade de assinar com a União Europeia um acordo comercial com o Mercosul que, para todos os efeitos, já havia sido fechado no governo anterior.

As negociações dentro do G20 são outra evidência de que a estratégia não tem funcionado. Defendida pelo Brasil, a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza deverá ser uma das principais marcas do encontro. Com previsão de durar seis anos, terá como objetivo usar recursos de organismos internacionais. Cada país poderá entrar como doador ou beneficiário e contará com um leque de opções de programas de combate à fome. Mesmo que tenha continuidade, não há sinal algum de concessões ou de garantias de financiamento capazes de mudar o quadro global da fome. Até o momento, não passa de uma jogada de marketing de Lula.

Outras prioridades defendidas pelo Brasil no G20 continuam incertas. Em encontros preparatórios, faltou consenso sobre o tema mais espinhoso: a reforma da governança global, ainda hoje sujeita aos mecanismos criados depois da Segunda Guerra. Como esperado, as maiores potências não apoiam as propostas do Brasil, do contrário perderiam poder.

Embora seja esperada a assinatura de um acordo entre Lula e Biden sobre energia limpa, a iniciativa cairá no vazio assim que Trump estiver na Casa Branca. E, para entender as dificuldades nas negociações sobre transição energética, nem é preciso recorrer ao negacionismo climático de Trump. O próprio Lula nem sequer consegue decidir se quer explorar petróleo na Margem Equatorial do Amazonas.

Devido à resistência de vários países, também é pouco provável que a declaração final do evento contenha decisões significativas sobre temas ainda mais polêmicos, como a taxação dos super-ricos ou a igualdade de gênero. Na hipótese de entendimento, ainda que Biden esteja entre os signatários de um documento mais contundente, tudo também deixará de valer para os Estados Unidos a partir da posse de Trump em janeiro.

A guerra entre Rússia e Ucrânia é outra questão que emperra negociações. No encontro do G20 na Indonésia, há dois anos, houve acordo para condenar a invasão russa e pedir a retirada de tropas. Na Índia, no ano passado, o documento final omitiu qualquer crítica, lamentando apenas o sofrimento dos ucranianos.

É natural que, por reunir democracias e ditaduras, líderes de direita e de esquerda, países com leis e costumes liberais e conservadores, economias ricas e em desenvolvimento, produtores e importadores de petróleo, nações com diferentes tamanhos de território e população, o G20 seja uma plataforma em que o consenso é sempre limitado. Avanços, quando acontecem, são incrementais.

Por isso, Lula não deveria sonhar com um sucesso estrondoso no Rio. Sua preocupação deveria ser evitar que a reunião seja marcada por declarações desastrosas. Ele também faria bem se aproveitasse a oportunidade para revisar as premissas da política externa que já fracassaram. Tentativas de montar coalizões falharam até na América Latina, e é falaciosa a ideia que os países ricos do Ocidente só prestam atenção ao Brasil quando seus interesses são contrariados. Olhando para frente, a dificuldade do Brasil na arena internacional tende a piorar. Trump é contrário a várias das bandeiras brasileiras — da defesa do meio ambiente ao multilateralismo, há pouca margem para entendimento. Uma vez que o encontro só trará as imagens de congraçamento de praxe, sem anúncios de vulto capazes de projetar o Brasil, pode ser uma hora propícia para encetar um freio de arrumação na política externa.

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