Ambientes radicalizados são terrenos férteis para a
semeadura de soluções de ruptura da legalidade
Duas dúvidas rondam a cena política do Brasil: se Jair
Bolsonaro (PL) vai
ser preso é uma. A outra diz respeito à possibilidade de o país
caminhar para um ambiente de concertação e civilidade na convivência
político-institucional.
Guardadas as devidas proporções inerentes às duas
conjunturas, algo parecido
aconteceu no Brasil nos anos 1980, quando a pressão da sociedade dentro dos
meios legais e a união das forças políticas em torno de um objetivo comum
permitiram a transição da ditadura
militar para o regime democrático.
A primeira pergunta posta acima permeia o
universo da política, mas objetivamente só poderá ser respondida pela Justiça.
Ela tem a última palavra. Portanto, isso não será resolvido por obra do afã das
torcidas nem em decorrência das redes sociais.
O segundo questionamento depende das partes em conflito se
mostrarem dispostas e capacitadas a fazer o que foi feito lá se vão mais de 40
anos, numa transição negociada, cujos antagonistas precisaram cada qual dar sua
parcela de concessões.
Ativistas da luta armada hoje reconhecem que erraram na
escolha de métodos extremos para combater o arbítrio instalado no Brasil a
partir de 1964. Os golpistas da época tiveram êxito, o que lhes permitiu reagir
com capturas, torturas, matanças, censura e toda sorte de opressões.
Tudo ficou legalmente perdoado, mas não esquecido sob a luz
da realidade histórica. Perdurou a sensação de dívida em aberto. Isso levou a
uma desconfiança permanente em relação à firmeza do compromisso das Forças
Armadas de guardarem distância da política e de submissão ao poder
civil.
A suspeita de que havia subversão incubada mostrou-se
fundamentada na conspiração levada a cabo no governo Bolsonaro e agora
desvendada pela Polícia
Federal mediante investigações com responsabilizações que certamente
virão, estas sim nos limites da Constituição.
A preservação do império da legalidade aconselha fortemente
a superação do ambiente polarizado sob o qual vivemos há anos. A vontade
retórica frequenta discursos, mas não se materializa em ações efetivas de que
os polos oponentes estejam dispostos a retirar os dedos do gatilho em prol do
apaziguamento de ânimos.
Isso depende de fatores que não estão em cena. Os
adversários seguem sendo vistos como inimigos, as palavras sendo ditadas pela
hostilidade exacerbada, a intolerância com a diferença de opiniões está
presente e os conflitos normais postos como desejo de aniquilação dos
contrários. Tudo isso incita à violência.
A atmosfera radicalizada é terreno fértil para defensores de rupturas. Os tais
rebeldes "antissistema" se criam nesse tipo de solo. E quem pretende
combatê-los com o uso das mesmas moedas, ainda que retóricas, fomentam a
dinâmica do atrito.
Desrespeitam, assim, as balizas da política, que é a arte de
construir convergências preservadas as divergências das visões de mundo. Na
democracia não cabem as hegemonias absolutas. Alcançá-las parece ser o intuito
de grupos que pretendem prevalecer sobre as demais correntes de pensamento.
Esse mundo de harmonia entre opositores é possível? Prova de
que não é uma utopia vem de ser dada na
recente eleição presidencial no Uruguai. Venceu a esquerda, substituindo a
direita que antes havia sido vencida num ciclo de alternância em que não se
considerou a vitória do adversário uma tragédia nem se fez da violação das leis
uma profissão de fé eleitoral.
Segundo o chanceler uruguaio, Omar Paganini, isso se deve a
solidez do sistema partidário que interdita a ação de aventureiros. Tem a ver,
sobretudo, com a lição deixada por 11 anos de ditadura (1973-1984) sobre o
valor da estabilidade democrática como bem a ser preservado em nome da
sobrevivência de todos.
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