sexta-feira, 29 de novembro de 2024

PACOTE ESQUÁLIDO

Hélio Schwartsman, Folha de S. Paulo

Ala política do governo, que privilegia eleições, prevaleceu sobre a econômica, que buscava sinalizar compromisso com sustentabilidade fiscal

Na queda de braço entre Fernando Haddad e Gleisi Hoffmann, deu Gleisi. A ala política do governo Lula (a que só pensa em eleição) prevaleceu sobre a econômica, e o pacote que deveria dar sustentabilidade ao arcabouço fiscal não apenas saiu esquálido como ainda teve de dividir o palco com uma proposta de reforma do Imposto de Renda, o que fez aumentar as desconfianças do mercado em relação à disposição do Planalto de ajustar as contas públicas.

O resultado prático é que o anúncio das medidas que deveriam tranquilizar os agentes econômicos produziu mais uma alta do dólar, que vai lenta e resolutamente alimentando a inflação.

Não estou aqui afirmando que não há méritos na reforma do IR. A questão é que ela já estava na agenda do Ministério da Fazenda. As propostas seriam apresentadas em 2025.

Ao antecipar essa discussão e fundi-la à do arcabouço —e isso apenas para que Lula não parecesse um neoliberal nem um austericida—, o governo anulou os ganhos econômicos que poderia obter sem ampliar os dividendos políticos. Se a reforma de fato sair, ela valerá em 2026, pouco importando quando a proposta foi originalmente apresentada, se em 2024 ou 2025.

Cabe ainda observar que os agentes econômicos têm razões para ser céticos em relação à reforma. A parte em que o Tesouro abre mão de arrecadação (isenção até R$ 5.000) depende só de uma lei que parlamentares aprovariam de bom grado. Já a que compensaria as perdas taxando os mais ricos exige mais medidas que têm tramitação muito mais incerta.

A política cobra escolhas, às vezes difíceis. Para um governante, o mais fácil é empurrar essas decisões difíceis para a frente. É eleitoralmente menos arriscado adiar a resolução do problema fiscal do que enfrentá-la. Mas esse é um nó que o Brasil precisa resolver se quiser se pôr numa rota de crescimento sustentável.

Alguém já afirmou que a diferença entre um estadista e um demagogo é que este decide pensando nas próximas eleições, enquanto aquele decide pensando nas próximas gerações. Lula olha muito mais para o presente do que para o futuro.

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