Não estamos mais dispostos a passar pano para militares
golpistas
O Brasil conquistou um feito histórico. É a primeira vez que
a tutela militar de governos civis é posta em xeque. O
indiciamento de sete generais e 18 militares por tentativa de golpe de Estado é
um fato inédito. A conciliação conservadora que permeia a atuação política
dos militares finalmente está abalada. Em outras palavras: não estamos mais
dispostos a passar pano para militares golpistas.
Graças à atuação primorosa de nossas instituições, há um
caminho aberto para que o país atinja um novo patamar democrático: submeter os
militares ao controle civil.
A questão é antiga. Segundo o historiador
Paulo Ribeiro da Cunha, antes da Proclamação
da República, que completou 135 anos no último dia 15, o barão do Rio
Branco, patrono da diplomacia brasileira, já se preocupava com o tema. Por
conta disso, enviou ao visconde de Ouro Preto, último primeiro-ministro, livros
vindos da Europa sobre sujeição dos militares ao poder civil para que fossem
traduzidos e adotados nas escolas militares. Porém a iniciativa não teve a
menor chance de prosperar. Bastou um rumor infundado de que havia a intenção de
dissolver o Exército para que um levante militar botasse fim à monarquia.
Desde então, governos civis que se seguiram, à esquerda e à
direita, sempre foram tutelados por militares. Segundo o historiador Daniel
Aarão Reis, quando Getúlio
Vargas instaurou a ditadura do Estado Novo em 1937, os militares
estavam entre as principais bases de sustentação do regime. Em 1945, também
foram os militares que depuseram Vargas e tornaram-se fiadores da
"democracia autoritária" vigente até 1964. Lembrando que, durante
esse período, o general Eurico Gaspar Dutra chegou a se tornar presidente e
as Forças
Armadas continuaram a protagonizar golpes, contragolpes e ameaças de
intervenção.
Nossa longa transição para a democracia também ocorreu sob a
tutela militar. No entanto, ainda que os militares tenham sido fiadores de todo
o processo de abertura, grupos extremistas realizaram uma série de atentados
terroristas para tentar retardar a chegada da democracia. O maior e mais
conhecido foi o atentado do Riocentro em 1981.
O atentado ocorreu no Centro de Convenções do Riocentro,
no Rio
de Janeiro. A ideia era aterrorizar as 20 mil pessoas que estavam em um
show em comemoração ao Dia do Trabalho, incriminar grupos de oposição à
ditadura e, assim, justificar a permanência dos militares no poder. A condução
desastrada da operação, entretanto, impediu que o "objetivo" fosse
atingido e causou a morte de um sargento por uma bomba que explodiu
antecipadamente. Como seria de se esperar, os responsáveis saíram impunes.
É justamente por causa da impunidade histórica que
integrantes do núcleo duro que rodeia Jair
Bolsonaro não se preocuparam em deixar tantas e tão evidentes provas
do planejamento de crimes abomináveis. Como aponta a atriz Fernanda
Torres, protagonista do filme "Ainda Estou Aqui", as
"soluções" para os crimes dos militares passaram sempre por
"varrer a sujeira para debaixo do tapete, deixar a casa bonita e seguir em
frente". Agora é chegada a hora de limpar a sujeira e fazer as
mudanças necessárias para que os militares sejam, finalmente, tutelados pela
democracia.
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