domingo, 24 de novembro de 2024

O QUE SERÁ DE BOLSONARO

Luís Francisco Carvalho Filho, Folha de S. Paulo

Sistema judicial brasileiro é inepto, falho, preguiçoso

É com otimismo e curiosidade que se recebe a notícia do indiciamento de Bolsonaro e do seu entorno militar.

A demora é sinal de alerta. A anatomia da tentativa de golpe está exposta faz tempo. É só somar um fato aos outros. A revelação recente do plano de assassinar o presidente eleito, o vice e o presidente do TSE, por exemplo, acrescenta detalhes chocantes e sórdidos ao roteiro bolsonarista, mas não é essencial para a configuração dos delitos ou para a arquitetura da acusação.

Pouco mais de um ano depois do ataque do Hamas, o Tribunal Penal Internacional, moroso por natureza e sujeito a consideráveis pressões jurídicas e diplomáticas, emitiu ordem de prisão contra o primeiro-ministro de Israel Binyamin Netanyahu por crimes de guerra.

Jair Bolsonaro articulou uma série de eventos temerários para despertar a intervenção militar e um golpe de Estado com roupagem supostamente "constitucional" —o mais grave delito que se pode cometer. Faz quase dois anos, deixaram ele livre e solto, como interlocutor legítimo e não como delinquente atrevido e ameaçador.

Só agora foi indiciado. Suspeito, Bolsonaro não se afastou da cena partidária. Manteve a popularidade, adquiriu e perdeu prestígio entre seguidores e se envolveu, discretamente, nas eleições municipais. Se as joias maculam a falsa imagem de austeridade, estar em Washington, livre e solto, para a posse do aliado Donald Trump na Presidência dos Estados Unidos, é a aspiração atual.

Sem pressa, o procurador-geral da República cogita oferecer denúncia criminal contra Bolsonaro só em 2025.

O sistema judicial brasileiro é inepto, falho, preguiçoso.

Carta fora do baralho político, o ex-presidente Collor de Mello, condenado por corrupção em maio de 2023 pelo plenário do Supremo, ainda está livre e solto. O processo é de 2015.

Sem a prisão dos golpistas e um rito processual de urgência, o caso também pode se arrastar por uma década: dezenas de réus, centenas de testemunhas, perícias, assuntos misturados, quebras de sigilo, meses de instrução, despachos, intimações, audiências, diligências, lerdeza institucional, pedidos de vista.

Os últimos acontecimentos —o ataque suicida do terrorista diante do Supremo, a revelação do plano de matar autoridades indesejáveis, o indiciamento pela PF do ex-presidente e de militares de alta patente— formam um ambiente desfavorável a Bolsonaro. Pelo menos temporariamente, a anistia perde força.

Mas a demora ajuda os golpistas. Livre e solto, mesmo sabendo que é inelegível por decisão (não definitiva) do TSE, Bolsonaro pretende ser candidato em 2026 fingindo-se de vítima de perseguição. O recurso ao STF está no gabinete de Luiz Fux desde maio, sem movimentação aparente. A pendência do recurso gera incertezas. O que se espera não se sabe.

As Forças Armadas são incubadoras de delinquentes políticos. Há golpistas de ocasião. Há golpistas ardilosos. Há golpistas que apagam os próprios passos e hibernam até o próximo ataque à democracia.

Ou os réus são presos e o processo é célere e implacável, ou os réus estarão livres e soltos para conspirar e o processo será indolente, infindável. O risco de renovada tentativa de golpe diminui se a certeza da punição estiver no horizonte

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