Sistema judicial brasileiro é inepto, falho, preguiçoso
É com otimismo e curiosidade que se recebe a notícia
do indiciamento
de Bolsonaro e do seu entorno militar.
A demora é sinal de alerta. A anatomia da tentativa de golpe
está exposta faz tempo. É só somar um fato aos outros. A revelação recente
do plano
de assassinar o presidente eleito, o vice e o presidente do TSE, por
exemplo, acrescenta detalhes chocantes e sórdidos ao roteiro bolsonarista, mas
não é essencial para a configuração dos delitos ou para a arquitetura da
acusação.
Pouco mais de um ano depois do ataque do Hamas, o Tribunal
Penal Internacional, moroso por natureza e sujeito a consideráveis pressões
jurídicas e diplomáticas, emitiu
ordem de prisão contra o primeiro-ministro de Israel Binyamin Netanyahu por
crimes de guerra.
Jair
Bolsonaro articulou uma série de eventos temerários para despertar a
intervenção militar e um golpe de Estado com roupagem supostamente
"constitucional" —o mais grave delito que se pode cometer. Faz quase
dois anos, deixaram ele livre e solto, como interlocutor legítimo e não como
delinquente atrevido e ameaçador.
Só agora foi indiciado. Suspeito, Bolsonaro
não se afastou da cena partidária. Manteve a popularidade, adquiriu e perdeu
prestígio entre seguidores e se envolveu, discretamente, nas eleições
municipais. Se as joias maculam a falsa imagem de austeridade, estar em
Washington, livre e solto, para a posse do aliado Donald Trump na
Presidência dos Estados
Unidos, é a aspiração atual.
Sem pressa, o procurador-geral da República cogita oferecer
denúncia criminal contra Bolsonaro só em 2025.
O sistema judicial brasileiro é inepto, falho, preguiçoso.
Carta fora do baralho político, o ex-presidente
Collor de Mello, condenado por corrupção em maio de 2023 pelo plenário do
Supremo, ainda está livre e solto. O processo é de 2015.
Sem a prisão dos golpistas e um rito processual de urgência,
o caso também pode se arrastar por uma década: dezenas de réus, centenas de
testemunhas, perícias, assuntos misturados, quebras de sigilo, meses de
instrução, despachos, intimações, audiências, diligências, lerdeza
institucional, pedidos de vista.
Os últimos acontecimentos —o ataque
suicida do terrorista diante do Supremo, a revelação do plano de matar
autoridades indesejáveis, o indiciamento pela PF do ex-presidente e de
militares de alta patente— formam um ambiente desfavorável a Bolsonaro. Pelo
menos temporariamente, a anistia perde força.
Mas a demora ajuda os golpistas. Livre e solto, mesmo
sabendo que é inelegível por decisão (não definitiva) do TSE, Bolsonaro
pretende ser candidato em 2026 fingindo-se de vítima de perseguição. O recurso
ao STF está no gabinete de Luiz Fux desde
maio, sem movimentação aparente. A pendência do recurso gera incertezas. O que
se espera não se sabe.
As Forças Armadas são incubadoras de delinquentes políticos.
Há golpistas de ocasião. Há golpistas ardilosos. Há golpistas que apagam os
próprios passos e hibernam até o próximo ataque
à democracia.
Ou os réus são presos e o processo é célere e implacável, ou
os réus estarão livres e soltos para conspirar e o processo será indolente,
infindável. O risco de renovada tentativa de golpe diminui se a certeza da
punição estiver no horizonte
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