Com instituições mais frágeis, o Brasil depende mais da
sorte do que o Uruguai para ter lideranças políticas capacitadas para avançar
O Uruguai destoa positivamente dos demais países da América
Latina, em muitas frentes. Tem o segundo maior PIB per capita da região, depois
do Panamá, e o melhor balanço entre grau de desigualdade e renda per capita –
afinal, nada adianta todos serem igualmente muito pobres, como o Haiti.
O índice de Gini (quanto mais baixo o valor, menor a
desigualdade) estava em 40,6 em 2022 para um PIB per capita de US$32,7 mil,
ante as cifras do Brasil de 52,0 e US$19,9 mil, respectivamente.
Na educação, as notas no PISA (programa internacional de
avaliação da educação fundamental) estão atrás apenas das do Chile. A nota em
matemática, por exemplo, foi 466 em 2022 ante 379 no Brasil. Igual retrato é
observado no índice de desenvolvimento humano.
A qualidade de sua democracia também se
destaca. Os indicadores calculados pelo V-Dem – referência em estudos da
democracia, o instituto avalia os princípios eleitorais, liberais,
participativos, deliberativos e igualitários dos países – colocam o Uruguai em
posição comparável a de nações ricas. Isso apesar da ditadura militar entre
1973-1985.
Um elemento crucial é o menor grau de polarização política,
diferentemente da situação em boa parte do mundo democrático. A recente eleição
presidencial foi marcada pela normalidade e amadurecimento democrático, com
candidatos de perfil moderado concorrendo no segundo turno.
Venceu o candidato da esquerda, apesar de seu opositor ser
apoiado pelo presidente Lacalle Pou, que conta com taxa de aprovação em torno
de 50%.
O discurso de vitória de Yamandú Orsi foi de tranquilização
da classe empresarial e de respeito às divergências. Ele afirmou que seu
governo precisará também daqueles com visão diferente para “construir um país
melhor”. Para ele, “não há futuro se não podemos divergir.” Do lado do
derrotado, o presidente Pou se colocou “sob seu comando para iniciar a
transição”.
O amadurecimento democrático do país resulta em uma certa
blindagem da agenda econômica ao ciclo político. Com a política econômica mais
estável e a menor desigualdade social, o mal-estar com a democracia é baixo,
inibindo o apelo de políticos populistas e a polarização extrema.
O fato de ser um país pequeno e com população coesa
provavelmente ajuda na construção de soluções majoritárias para os problemas
socioeconômicos, conforme indicado pela literatura econômica sobre o tema.
Em que pese a complexidade do Brasil ser um fator a
dificultar essa construção, não seria suficiente para explicar nossas falhas
institucionais e a apropriação indevida do orçamento público por grupos
organizados, bem como sua influência na definição dos marcos jurídicos do país.
Uns poucos se beneficiam de ganhos proporcionados pelo
Estado que estão dissociados da geração de renda de sua atividade econômica,
isso em detrimento dos demais. No jargão técnico, é o “rent-seeking” ou o
patrimonialismo, de Raymundo Faoro; na linguagem coloquial, é a “economia da
meia-entrada” cunhada por Marcos Lisboa.
Devido à proliferação das proteções e benefícios estatais,
cada um de nós é beneficiado, em diferentes graus, o que em seu conjunto
resulta em uma economia disfuncional e de baixo crescimento. Pior, cada grupo
reage à tentativa de revisão das políticas públicas, como visto agora.
Nesse aspecto, vale citar a pesquisa de Cesar Calderón e
Alberto Chong que identifica a relação negativa entre democracia e
“rent-seeking” no Uruguai.
O Uruguai, diferentemente do Brasil e de muitos outros
países, inclusive desenvolvidos, não passou no passado recente por recessões e
crises decorrentes de falhas de suas instituições. Já no Brasil, a recessão
entre meados de 2014 e 2016, que encolheu o PIB em 8%, é exemplo da fraqueza
dos freios e contrapesos democráticos. A insatisfação da sociedade com um país
que muito prometeu é anterior, mas a grave crise foi decisiva para a
polarização política.
Com instituições mais frágeis, o Brasil depende mais da
sorte do que o Uruguai. Sorte para ter lideranças políticas pouco permeáveis a
pressão de grupos organizados e capacitadas para avançar com reformas
estruturais, por meio de diálogo e, também, do enfrentamento de interesses não
republicanos. E sorte para contar com o saudável funcionamento dos poderes da
República.
Preferia não precisar contar tanto com a sorte.
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