Choques climáticos e recorde do dólar fizeram da
alimentação o vilão da inflação em 2024
Quando 2024 começou, não havia indicação da intensa pressão
que os alimentos teriam sobre a inflação, apesar de o País já estar convivendo
com o fenômeno El Niño – que se estendeu até meados do ano, trazendo chuvas no
Sul e seca no Norte e Nordeste. Em janeiro, o País ainda estava sob a euforia
do excelente desempenho do agronegócio brasileiro em 2023 que, acumulando
recordes na safra de grãos e nas exportações, impulsionou o crescimento de 3,2%
do Produto Interno Bruto (PIB).
Os choques climáticos vieram mais fortes do que o esperado,
com ondas de calor sem precedentes, a pior estiagem da história e enchentes
devastadoras, como a que atingiu o Rio Grande do Sul. A seca extrema contribuiu
para elevar os efeitos dos incêndios florestais que reduziram pastagens. Junto
com os reveses do clima, a desvalorização contínua do real ante o dólar (apenas
dois meses do ano, agosto e setembro, tiveram saldo a favor do real) completou
o cenário desfavorável, encarecendo insumos.
O grupo “Alimentação e Bebidas” chegou ao fim de 2024
contribuindo com mais de um quarto (26%) do IPCA, o índice oficial de inflação,
no acumulado em 12 meses, de dezembro de 2023 a novembro de 2024, de acordo com
cálculos do Ibre, da Fundação Getulio Vargas. O IPCA no período extrapolou a
meta do governo, de 3% ao ano, e bateu 4,87%, mostrou o IBGE. O resultado
fechado do ano será conhecido em 10 de janeiro, mas as estimativas do mercado
beiram os 5%.
O levantamento do Ibre/FGV confirma o que o monitoramento do
IBGE já vinha indicando: o aumento do índice de difusão das pressões
inflacionárias. Traduzindo, ao longo dos meses os aumentos de preços se
espalharam por todos os setores. Mas é nas gôndolas dos supermercados que a
inflação fica mais explícita, com disparada de preços como a do café (32%) e
leite longa vida (20,4%). O forte aumento das carnes (15,4%) fez picadinho da
promessa de campanha de Lula da Silva de fazer o brasileiro voltar a consumir “picanha
com cervejinha”.
Lula não se deu por vencido e, em agosto, nas várias
entrevistas a programas de rádio, fiel ao hábito de enxergar apenas o que quer
ver, insistia em dizer que estava cumprindo o que prometera. Mas os dados
mostram que a inflação da alimentação no domicílio, ou seja, as compras que as
famílias fazem rotineiramente nos mercados, tem respondido por mais da metade
da alta verificada em alimentos. E pesa mais sobre os mais pobres, que
comprometem parcela maior de sua renda com alimentação.
A inflação, como já ficou comprovado, não pode ser contida
na marra. Na última vez que esse artificialismo foi tentado, durante a gestão
de Dilma Rousseff, o País enfrentou uma grave recessão. A política monetária
contracionista do Banco Central, com a elevação dos juros, tenta apenas frear a
disparada até que os fundamentos econômicos construam a estabilidade, o que
significa, agora, que o governo deve gastar menos para equilibrar suas contas.
Se Lula da Silva se convencer desse princípio básico, o caminho para a queda da
inflação estará aberto. Mas tudo indica que o País ingressará em 2025 sob
pressão, pois Lula está mais Lula do que nunca.
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