Racha na coalizão trumpista sobre imigração é reflexo de
profundas tensões internas
Grandes divergências ideológicas tornam o novo governo
americano muito menos previsível
A vitória de Donald Trump no mês passado foi possível graças
a uma ampla coalizão envolvendo atores com visões de mundo profundamente
distintas – entre eles: bilionários libertários do Vale do Silício,
nacionalistas econômicos que defendem políticas protecionistas, movimentos
xenófobos de extrema direita e conservadores tradicionais do Partido
Republicano dispostos a barrar numerosas propostas do presidente eleito.
Senadores republicanos como Lisa Murkowski, do Alasca, Susan
Collins, do Maine, e Mitch McConnell, do Kentucky, por exemplo, representam a
ala tradicional e defendem a continuação da política externa americana das
últimas décadas, envolvendo uma ampla presença militar e política na Europa ena
Ásia, enquanto o vice-presidente J.D. Vance representa a ala mais
isolacionista.
Outro grupo, que prioriza combater o
“estado profundo”, acredita que Trump foi perseguido pela Justiça e defende
reformas radicais no Departamento de Defesa, no de Justiça e nas agências de
inteligência.
Robert F. Kennedy, por sua vez, nomeado para ser Secretário
de Saúde, representa uma espécie de ala conspiratória e possui um longo
histórico de compartilhar ideias esdrúxulas, como a de que vacinas contra a
covid foram desenvolvidas para controlar pessoas por meio de microchips.
ECONOMIA. A ala tecnocrata pró-mercado, por outro lado,
liderada por Scott Bessent, próximo secretário do Tesouro, fará de tudo para
equilibrar a visão populista do movimento MAGA (Make America Great Again) com
medidas mais ortodoxas que visam evitar impactos negativos no mercado
financeiro. Curiosamente, Bessent, atacado por Elon Musk como “mais do mesmo”,
é um ex-diretor de investimentos de George Soros, figura demonizada pelos
apoiadores mais radicais de Trump.
O grupo do “encolhimento do governo”, liderado pelos
bilionários Musk e Vivek Ramaswamy, adota uma postura libertária, inspira-se
nas ideias de Javier Milei na Argentina e visa propor cortes trilionários no
orçamento federal. Além disso, há profundasdi vergências naco alizãotrump istas
obrete mas-chave como Ucrânia, China, regulação da tecnologia e energia
renovável.
IMIGRAÇÃO. A recente fissura sobre imigração é uma amostra
do que está por vir e mostra por que será tão difícil prever a estratégia do
governo Trump. O debate foi desencadeado pela nomeação de Sriram Krishnan como
assessor-chefe de inteligência artificial da Casa Branca de Trump. A indicação
de Krishnan, um americano naturalizado de origem indiana que defende regras
migratórias mais flexíveis para atrair talentos globais, foi duramente
criticada – muitas vezes com um tom racista – pela ala mais radical do movimento
MAGA. Em resposta às criticas, Elon Musk e Vivek Ramaswamy, aliados de
Krishnan, defenderam publicamente a necessidade de atrair mais trabalhadores
estrangeiros altamente qualificados. Musk, ele próprio um imigrante, argumentou
que os EUA não podem competir com a China sem abrir suas portas para os
melhores engenheiros e cientistas. “Se você força os melhores talentos do mundo
a jogarem para o outro lado, os EUA vão perder”, declarou Musk.
Vivek Ramaswamy, filho de migrantes indianos, intensificou o
debate, criticando a cultura americana por “venerar a mediocridade” e
destacando como famílias imigrantes frequentemente priorizam a excelência
educacional. Contudo, essa posição confronta diretamente a base nacionalista de
Trump, parte da qual vê a imigração, mesmo que qualificada,
como uma ameaça à identidade nacional. Nikki Haley, integrante do primeiro
governo Trump e também filha de imigrantes indianos, declarou: “Não há nada de
errado com os trabalhadores americanos ou com a cultura americana. Devemos
investir e priorizar os americanos, não os trabalhadores estrangeiros.”
DIÁLOGO. Essa dinâmica representa um desafio para países
mundo afora, cujos governos estão se preparando para a volta de Trump: diante
da alta quantidade de grupos divergentes no próximo governo americano – e da
provável alta rotatividade em cargoschave – será fundamental investir no
diálogo com representantes de todos os grupos para tentar prever e influenciar
as decisões tomadas na Casa Branca.
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