Derrota da agressão iraniana a Israel produziu uma
reacomodação política e militar naquela região, exibindo a fragilidade da Síria
A agressão iraniana a Israel, visando à exterminação desse
país – seja indiretamente, por via do Hamas, do Hezbollah, do regime do
ex-ditador Bashar alAssad, dos Houthis e de milícias iraquianas xiitas, seja
diretamente por ataques próprios –, terminou numa derrota acachapante. O
colonialismo iraniano sofreu um duro golpe, ficando os seus líderes religiosos
apenas com uma narrativa belicosa, sem força militar efetiva. Nesse contexto,
Israel surge incontestavelmente como vitorioso. Ocorre que esse evento terminou
por produzir uma reacomodação política e militar naquela região, exibindo a
fragilidade da Síria.
Ahmed al-Sharaa, líder jihadista outrora
vinculado à Al Qaeda e fundador do grupo terrorista al-Nusra, surge como o
grande vitorioso da guerra civil síria. Independentemente de agora procurar se
apresentar como líder responsável, aparando a barba, abandonando o turbante e
as roupas militares, é inegável que nada disso teria acontecido se ele e seu
grupo não tivessem percebido a fragilidade de Bashar al-Assad. Tiveram visão
estratégica. Isso se deve sobretudo a que o poder sírio estava ancorado no Irã,
com conselheiros militares e tropas da Guarda Revolucionária, e no Hezbollah,
que antes havia enviado seus combatentes. Ora, o Hezbollah foi dizimado por
Israel e os iranianos encontram-se na defensiva, com sua defesa antiaérea
destruída por Israel. Os russos, que foram também decisivos para Assad, estão
completamente enredados na guerra na Ucrânia, nada tendo podido fazer por seu
histórico aliado.
Surge, também, a Turquia como vencedora, apoiando o grupo
Tahrir al-Sham (HTS), de al-Sharaa. Procurará, sem dúvida, fortalecer o seu
próprio poder, seguindo uma agenda própria. Em particular, procurará eliminar
os curdos no norte do país, recusando-lhes, como sempre o fez, qualquer
possibilidade de autonomia política e administrativa. Ora, os curdos,
organizados militarmente pelas Forças Democráticas Sírias (FDS), por sua vez,
contam com o apoio dos EUA, pois foram decisivos na derrota do Estado Islâmico.
Apoiaram a sublevação contra Assad, mas são meros aliados circunstanciais do
HTS.
Note-se que os curdos são um povo esquecido no desenho
territorial pós-Primeira e Segunda Guerras Mundiais, estando hoje divididos
territorialmente entre a Síria, a Turquia e o Iraque. Os turcos, em particular,
são impiedosos com eles, atacando e bombardeando seus povoados por anos a fio,
sem que a comunidade internacional nada diga.
Ironias da História. O Oriente Médio foi desenhado na
esteira da derrota dos turcos na Primeira Guerra Mundial. Graças ao Acordo
Sykes-Picot (entre Reino Unido e França), de 1916, um pouco antes do fim da
guerra, quando esse desenlace já era previsível, o Oriente Médio foi
configurado por essas duas potências coloniais. Fronteiras artificiais mal
delineadas foram criadas. A França ficou, grosso modo, com o Líbano, a Síria e
o norte do Iraque, enquanto ao Reino Unido couberam o sul do Iraque e o que
então se denominava Palestina – incluindo o que hoje é o Estado de Israel e a
Jordânia –, vindo este a ser considerado posteriormente um Estado Pal est i no,
incluindo a Cisjordânia. A Palestina era o nome romano de um território povoado
por árabes, judeus, drusos e beduínos. Jerusalém teria um estatuto
internacional particular. Ora, o que estamos hoje observando é a perda de
legitimidade e vigência daquele acordo colonial. Recep Tayyip Erdogan aparece,
então, como um novo sultão, numa espécie de revanche histórica, reatando com o
Império Otomano.
A Síria é um mosaico de etnias e religiões, com árabes,
curdos, drusos, xiitas, sunitas, alauítas e cristãos de várias denominações.
Manteve-se estatalmente unida graças a uma feroz repressão sobre toda a sua
população, impondo a dominação alauíta sobre as outras religiões e etnias.
Atualmente, a Turquia já domina direta e indiretamente uma grande porção do
norte desse país, limítrofe com sua fronteira, superior a 900 quilômetros.
Israel já ocupou a zona tampão no sul, fortalecendo a sua segurança e oferecendo
um escudo protetor para os drusos. Observe-se que esse grupo étnico não confia
nos novos líderes, como tampouco confiava nos anteriores, sendo por estes
violentamente reprimidos.
O xadrez complica-se ainda mais pelo fato de os drusos em
Israel serem cidadãos de plenos direitos, com participação relevante na
diplomacia e no Exército – alguns são generais importantes. Os drusos nas
Colinas de Golã ainda hesitam entre a plena cidadania israelense e o status
quo, pois temem ser devolvidos à Síria. Podem prestar serviço militar, se assim
o desejarem. Ora, os drusos israelenses pedem a Israel para atuarem na Síria
para protegerem os seus, enquanto boa parte deles almeja uma aproximação estreita
com o Estado judeu, buscando a sua proteção.
Neste complexo tabuleiro, o mundo pós-Segunda Guerra já se
está redesenhando, mostrando a Rússia como precursora desse movimento ao tentar
reconfigurar o mapa europeu graçasàinva sã oda Ucrânia. O mundo está mudando a
passos rápidos.
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