domingo, 22 de dezembro de 2024

AS VITÓRIAS NA SEMANA DIFÍCIL

Mírian Leitão, O Globo

Foram dias duros, mas o governo encerra a semana contabilizando vitórias como a aprovação do pacote fiscal e da Reforma Tributária

A semana passada foi especialmente tumultuada, mas terminou com balanço positivo. Foi aprovada a última parte da regulamentação da Reforma Tributária, dos impostos sobre consumo, uma vitória em uma luta de mais de três décadas. Foi aprovado o pacote fiscal. O dólar disparou, bateu em nível recorde, mas recuou na tarde da quinta e na sexta-feira. Houve uma transição harmônica no Banco Central e o presidente Lula deu uma chancela firme à autonomia do BC.

Ninguém sai de guerras sem baixas e feridos. O pacote perdeu parte da consistência, o Congresso se rendeu ao lobby da minoria do funcionalismo que ganha acima do teto. A Reforma Tributária passou a abrigar concessões a vários grupos de interesse. O mais danoso deles, o das armas. O dólar permaneceu alto e isso afeta a economia real, principalmente a inflação.

O projeto de fundir os impostos sobre consumo e criar um imposto de valor agregado esteve nos planos de vários governos, inclusive do próprio Lula, e todos fracassaram. Essa específica proposta nasceu no legislativo, numa PEC apresentada pelo deputado Baleia Rossi em 2019 e foi ignorada pelo governo Bolsonaro. O ministro Fernando Haddad assumiu o projeto como sendo do governo, trouxe para a sua equipe o inspirador da ideia, o economista Bernard Appy, e negociou incansavelmente. É uma vitória histórica. O Brasil inicia agora a transição, ainda que lenta, para uma forma mais moderna de tributação sobre o consumo.

A atual estrutura tributária foi elaborada na ditadura que, por natureza, não negocia e impõe suas propostas. Esta foi feita na democracia, com um Congresso forte, dominado por muitos lobbies e com uma oposição sem compromisso com as ideias que diz defender na economia. Foi um grande feito sim. Agora é saber como lidar com todos os defeitos e incompletudes da reforma. Não houve coragem de mexer na Zona Franca de Manaus e, em alguns aspectos, ampliou suas vantagens. O que é preciso fazer é levar o polo industrial cada vez mais para a economia da sustentabilidade.

O Congresso cedeu a lobbies de diversas categorias profissionais, ao todo 18 profissões pagarão menos impostos. Isso sem falar nos médicos que entram no desconto maior da saúde. Vários lobbies setoriais venceram. O pior foi a vitória da bancada da bala que conseguiu muito mais do que imaginava. As armas e munições não pagarão imposto seletivo, numa derrota do governo que em todos os momentos tentou defender o racional nesse caso. Mas o desastre é ainda maior, porque as armas no futuro pagarão menos impostos do que pagam hoje. Para evitar esse tiro pela culatra, é preciso encontrar uma saída, em algum momento. Subsidiar o comércio de armas é tudo de que o Brasil não precisa.

As medidas de ajuste fiscal propostas pelos ministérios da Fazenda e do Planejamento eram boas, apesar do que sustenta o mercado financeiro. Poderia ter ousado, feito mais, sem dúvida. Porém, uma coisa é elaborar uma proposta de prancheta, ideal, como se a sociedade, as forças políticas e os grupos de interesse não existissem. Outra bem diferente é ter que negociar internamente no governo e depois atravessar o deserto parlamentar com essas propostas. O Congresso aprovou a mudança do salário mínimo, indicando uma redução no ritmo de crescimento de toda a despesa previdenciária e assistencial, que era a parte central do pacote. Aprovou também a transição no abono que resultará em maior focalização. O mercado fez as contas e reclamou: vai levar sete anos e isso demora muito tempo. Poderia ter pensado numa fórmula para resolver a contradição do seguro-desemprego, que sobe nos bons momentos. Não mexeu no mínimo constitucional de saúde, como muitos economistas propunham. Perguntei ao economista Armínio Fraga se o governo poderia fazer essa mudança e ele respondeu que seria “um crime” reduzir o gasto com a saúde. Vejam só como o assunto é controverso.

O câmbio ficou selvagem durante a semana. Houve de tudo, inclusive especulação com fake news, e piora do cenário internacional. Bateu em R$ 6,30. E cedeu a golpes de tacape. Nunca se viu uma venda de dólar neste volume. O pior da alta do dólar é que seu efeito atinge os preços em geral. Um dos bons motivos da queda do câmbio foi ver a transição harmoniosa no Banco Central. Ainda que confirmando a política contracionista com a qual entraremos no ano que vem. No fim, foi uma semana dura, mas com vitória.

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