Assistimos um reality show de populismo e
patrimonialismo, cujo resultado foi um grande estresse cambial, com a disparada
do dólar, que continua acima dos R$ 6
O populismo sustenta-se no tripé liderança carismática,
promessas além do exequível e críticas às elites. Não se pode dizer, porém, que
o populismo seja o principal responsável pelas nossas desigualdades sociais e
que, necessariamente, derive para o autoritarismo. Esse tipo de narrativa, ao
contrário, justificou retrocessos políticos como o regime militar implantado a
partir da destituição de João Goulart, em 1964.
Nosso populismo surge com Getúlio Vargas, a partir da
Revolução de 1930, como resposta à república oligárquica. Sua retórica voltada
ao trabalhador foi amparada por direitos sociais que incluíram os trabalhadores
assalariados na vida política nacional, como a CLT (Consolidação das Leis do
Trabalho) e o reconhecimento dos sindicatos. Ao mesmo tempo, o golpe de 1937,
que implantou o Estado Novo, consolidou a tese de que o populismo deriva para o
autoritarismo, o que viria a ser desmentido pelo próprio Vargas, após voltar ao
poder pelo voto, na crise que o levou ao suicídio, em 1954.
Juscelino Kubitschek e Jânio Quadros também
recorreram a narrativas populistas para mobilizar apoio e chegar ao poder, bem
como Fernando Collor de Mello, em 1989. Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma
Rousseff também adotaram narrativas populistas, amparadas por programas de
inclusão social, como Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida. O primeiro teve
êxito ao enfrentar as elites do país; a segunda, fracassou ao adotar uma
estratégia nacional-desenvolvimentista anacrônica diante da globalização e
perdeu o poder. Nenhum dos quatros confirma a tese de que seu populismo
desaguaria no autoritarismo.
Quem tentou esse caminho foi Jair Bolsonaro, que chegou ao
poder pedalando o triciclo do carisma, do apelo às massas e do confronto com as
elites. Depois de Jânio Quadros, é o maior representante do populismo de
direita no Brasil, com retórica antissistema, apelo nacionalista e bandeiras
reacionárias. Defendeu a volta do regime militar e os costumes tradicionais,
para “salvar” a pátria e a família unicelular patriarcal.
Nosso populismo amálgama o mito “sebastianista” do salvador
da pátria. Morto D. Sebastião em Alcácer Quibir, aos 24 anos, e tendo sido
anexado pela Espanha em 1580, Portugal perdeu a opulência e a grandiosidade do
início daquele século, juntamente com o melhor da sua juventude e do seu
Exército. Como o corpo do rei nunca foi encontrado, o mito de que D. Sebastião
estava vivo e voltaria um dia alimentou o nacionalismo português e o
messianismo no Brasil. Teria aparecido durante a batalha que expulsou os franceses
no Rio de Janeiro, em 1565; no reino Encantado da Pedra Bonita (1834-1836), em
Pernambuco; e em Canudos (1893-1897), com Antônio Conselheiro.
Patrimonialismo
As promessas de reformas rápidas e profundas, com soluções
simples para problemas estruturais complexos, hoje, são narrativas populistas
anabolizadas pelas redes sociais. Fomentam a polarização e a desconfiança nas
instituições democráticas; a tensão entre Executivo, Legislativo e Judiciário;
a divisão profunda da sociedade, a descontinuidade de projetos estruturais e
políticas de clientela; e, consequentemente, a instabilidade econômica e
volatilidade do mercado.
O outro lado dessa moeda é o patrimonialismo, mais vivo do
que nunca. Por definição, é um tipo de dominação tradicional na qual o
governante utiliza o poder como extensão de sua própria casa. Como o Estado
brasileiro antecedeu a nação, a administração pública colonial e imperial foi
moldada por um sistema onde cargos públicos e privilégios eram concedidos como
favores pessoais. Isso promoveu uma cultura que está em contradição com o
regime republicano.
Fenômeno já muito estudado, o patrimonialismo brasileiro
nasceu associado à figura do “homem cordial” e destaca o papel das relações
pessoais e afetivas na dominação do espaço público, uma herança ibérica avessa
à formalidade institucional, que mistura o público e o privado. O poder
centralizado e burocrático serve a interesses privados e sustenta uma elite
dirigente que controla o Estado em benefício próprio, a partir de uma estrutura
patrimonialista herdada de Portugal.
Essa característica também marcaria o desenvolvimento
capitalista e a modernização do país, sobretudo o nosso capitalismo de Estado,
ou “de laços” visíveis a olho nu. O sociólogo Luiz Werneck Vianna, recentemente
falecido, destacava o papel dessas raízes históricas (colonização portuguesa) e
culturais (laços familiares e paternalismo) na resistência às relações
institucionais impessoais e ao funcionamento do sistema político e
administrativo em bases democráticas e modernas.
Nas últimas semanas, assistimos a um reality show de
populismo e patrimonialismo, cujo resultado foi um grande estresse cambial, com
a disparada
do dólar, que continua acima dos R$ 6. A promessa de isenção do imposto de
renda para quem ganha até R$ 5 mil, feita pelo governo, e a gana pelo dinheiro
das emendas parlamentares, de parte do Congresso, criaram um ambiente de
incerteza econômica muito além do que seria razoável diante da realidade
econômica do país.
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