O cenário visto de hoje é de um PIB ao redor de 2% nos
próximos dois anos, se não houver turbulências nos mercados globais
Não é fácil desacelerar a economia brasileira, mas o Banco
Central aumentará os juros igual ou acima do nível do governo de Dilma
Rousseff, 14,25%, quando o IPCA era muito mais alto (acima de 10%), para tentar
acalmar uma inflação que pode romper o teto da meta pelo segundo ano
consecutivo. O vigor das atividades econômicas, que levaram o PIB para perto de
3,5% no ano, não deve sofrer um freio abrupto. A desaceleração dos salários, do
mercado de trabalho e do consumo ocorrerá mais lentamente no primeiro semestre
para se tornar mais efetiva no segundo. As projeções do governo e analistas
privados convergem para algo entre 1,8% e 2,5%, estimativa que coincide
praticamente com a da capacidade potencial de crescimento da economia.
A maxidesvalorização do real (27%) mudou para muito pior
tanto as expectativas inflacionárias quanto o nível de aperto monetário que o
BC terá de fazer para domar a inflação. Mesmo com a alta da taxa Selic a 12,25%
e a promessa de chegar a 14,25% em março, apenas no terceiro trimestre do ano
que vem o IPCA cairá abaixo do teto de 4,5%. O dólar mudou de patamar, como
mostra o painel de estimativas publicado na sexta pelo Valor, e a maioria
delas coloca R$ 6 por dólar como média. A depreciação do real acelerou muito a
partir de novembro, o que indica que o repasse aos preços pode ter um longo
caminho à frente, se a alta do dólar não for sancionada pela demanda.
A demanda, por seu lado, teve comportamento exuberante no
ano, impulsionada pelo aumento da massa salarial, dos salários e da mão de obra
empregada. A Pnad Contínua mostrou que a média do desemprego do trimestre
encerrado em outubro é a menor da série histórica, iniciada há 13 anos: 6,1%. O
salário médio habitual real no ano até novembro evoluiu 3,4%, e já está
perdendo para a corrida dos preços - o IPCA acumulou 4,29% até o mês. Mas o
avanço da massa de rendimento real habitual é bem maior, 7,2% no mesmo período,
e o total de rendimentos é recorde (R$ 332,7 bilhões mensais), com acréscimo de
R$ 22,5 bilhões.
Os indicadores iniciais do último trimestre do ano não
apontaram até outubro perda de fôlego. A produção industrial caiu 0,2% no mês
em relação ao anterior, mas exibe bom desempenho ante outubro de 2023 (5,8%) ou
no ano, 3,4%.
Os serviços, no entanto, apresentam taxa de expansão quase
“chinesa”, e a inflação do setor, segundo o Banco Central, que já era
incompatível com a meta de inflação, voltou a subir. Nos doze meses até
outubro, a taxa de expansão é de 7,4% e no ano, de 7,8%. Contra o mesmo mês do
ano passado, atinge 9,6%. Pela Pnad Contínua, os serviços lideram as
contratações, com transporte e armazenagem (5,8%), outros serviços (5%) e
informação e comunicação (4,4%). O segmento de transportes, armazenagem e
correio lidera em aumentos salariais, tanto na comparação com o trimestre de
2023 como com o anterior deste ano (4,7%). O comércio, um dos maiores segmentos
de serviços, acumula alta de 8,8% no ano até outubro e o varejo ampliado, que
inclui carros e construção, 7,9%.
Além dos salários, o aumento do crédito manteve-se na casa
dos dois dígitos boa parte do ano. Até novembro, em 12 meses, o estoque subiu
10,7% e, para pessoas físicas, 11,8%. No entanto, as concessões apresentaram
recuo no mês de 0,7%, e esse é o sinal de por onde a política monetária freará
a oferta de dinheiro que está irrigando o consumo. Em 12 meses as concessões
cresceram 14,5%. O BC, em seu relatório de inflação de dezembro, estimou um
avanço de 9,6% no estoque em 2025, o que não parece uma desaceleração
compatível com a perda de ritmo que se quer impor à economia.
Ao lado do aumento de uma dose já severa de juros, as
condições financeiras pioraram significativamente. O câmbio se desvalorizou, a
bolsa está em queda, o prêmio de risco medido pela chance de default também
subiu e os juros americanos têm apontado comedidamente para cima. Diante disso,
é provável que não só os bancos comecem a ser bem mais seletivos e reduzam a
oferta de crédito, como a própria demanda se retraia, com aumento da
inadimplência, que parara de crescer há um bom tempo.
O outro componente do forte crescimento da economia, o gasto
público, deve ter expansão menor no ano. Embora mais comedido, haverá algum
aumento de despesas. O Prisma Fiscal estima que em 2024 o governo terá um
déficit primário de R$ 62 bilhões na média, que se elevará para R$ 92,2 bilhões
em 2025. A decisão por um ajuste fiscal pífio em novembro, que provocou
alvoroço nos mercados, indica que o presidente Lula não está convencido de que
uma ação fiscal vigorosa poderia reduzir rapidamente a inflação (que para ele
está contida) e manter uma expansão sustentável.
A deterioração das expectativas, em contraste com o vigor da
economia, provavelmente conduzirá o aperto monetário até 2026, ano eleitoral. A
expectativa de recessão, prevista várias vezes e não realizada, continua pouco
provável. O cenário visto de hoje é de um PIB ao redor de 2% nos próximos dois
anos, se não houver turbulências nos mercados globais. O ideal seria que a
política fiscal ajudasse agora, em momento delicado, a política monetária.
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