Flávio Dino manda PF investigar a última manobra do
presidente da Câmara para sequestrar a distribuição de emendas - e cita até
“malas de dinheiro” no despacho
Otermo “orçamento secreto” apareceu pela primeira vez em 9
de maio de 2021. Nos três anos e meio que se passaram desde então, essa prática
– a distribuição de bilhões de reais em recursos para cidades de todo o Brasil
sem o registro dos deputados e senadores por trás de cada indicação – deu
potência máxima às máquinas de manutenção de poder na política nacional. Houve
uma eleição geral com um índice histórico de reeleição de parlamentares, a
recondução de Arthur Lira como presidente da Câmara, as eleições municipais de
2024 com índice incomum de manutenção dos prefeitos em seus cargos. Tudo com a
anuência do Executivo – antes Jair Bolsonaro, depois Lula.
Foram necessários 1324 dias – e o descumprimento de diversas
determinações do Supremo Tribunal Federal para dar transparência a essa
distribuição de recursos públicos – para que as manobras do andar de cima do
Congresso com o orçamento secreto se tornassem alvo de investigação da Polícia
Federal. Na manhã desta segunda-feira, em decisão inédita, o ministro do STF
Flávio Dino determinou que a PF abra um inquérito policial sobre as
irregularidades na distribuição de emendas.
O estopim para a investigação foi a revelação das “emendas
de liderança”, em reportagem da piauí da
segunda-feira, 16 de dezembro. Trata-se de uma manobra pela qual Arthur Lira e
dezessete líderes partidários tomaram para si a decisão sobre a destinação de
verbas, fazendo parecer que estava tudo sendo feito com a anuência da comissões
que devem propor a destinação das verbas. Após a reportagem, o STF foi acionado
pelos partidos Psol, Novo e as entidades Transparência Brasil, Transparência
Internacional Brasil e Instituto Não Aceito Corrupção.
Em sua decisão, Flávio Dino não cita o nome de Lira e de
outros possíveis investigados, mas há pistas claras sobre os alvos. Ele
publicou o link para acesso da reportagem O
Sequestrador, da edição de novembro da piauí, que mostra
como Arthur Lira capturou o orçamento secreto em seu favor, ao derrubar verbas
para obras de água encanada em um município da Bahia que sofre com a
seca.
Depois disso, em outra manobra orientada por Lira, os
líderes partidários enviaram um ofício ao Executivo com 5.449 indicações de
emendas de comissão, totalizando 4,2 bilhões de reais, sem a devida
aprovação prévia e registro formal pelas comissões – Alagoas, o Estado que
elegeu Lira, foi priorizado na estratégia.
“Não é compatível com a ordem constitucional,
notadamente com os princípios da Administração Pública e das Finanças Públicas,
a continuidade desse ciclo de (i) denúncias, nas tribunas das Casas do
Congresso Nacional e nos meios de comunicação, acerca de obras malfeitas; (ii)
desvios de verbas identificados em auditorias dos Tribunais de Contas e das
Controladorias; (iii) malas de dinheiro sendo apreendidas em aviões, cofres,
armários ou jogadas por janelas, em face de seguidas operações policiais e do
Ministério Público. Tamanha degradação institucional constitui um inaceitável
quadro de inconstitucionalidades em série, demandando a perseverante atuação do
Supremo Tribunal Federal”, justificou Flávio Dino na decisão.
A entrada da Polícia Federal para investigar as
irregularidades no “andar de cima” é inédita e histórica. A decisão de Dino vem
depois de mais de três anos e meio de denúncias da imprensa sobre o escândalo
do orçamento secreto, a começar pelo jornal O
Estado de S. Paulo*, que denunciou a prática e cunhou o termo em
maio de 2021.
As interferências “de cima” (da Presidência da Câmara
e lideranças), para aprovar emendas sem seguir os trâmites previstos foram tema
de pronunciamento de parlamentares críticos ao esquema, como Glauber Braga
(PSOL-RJ), a deputada Adriana Ventura (Novo-SP), o deputado José Rocha (União
Brasil-BA) e o senador Cleitinho Azevedo (Republicanos-MG). Este último sugeriu
a criação de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI, que tem membros
das duas casas do Congresso) para investigar as emendas. O relator Flávio Dino
determinou, desde já, a tomada de depoimento desses parlamentares.
A investigação da PF deverá:
– Apurar a veracidade das denúncias de “apadrinhamento” de
emendas e a participação de líderes partidários no esquema.
– Identificar os reais beneficiários das emendas de comissão
(RP 8) e a destinação dos recursos públicos.
– Averiguar a existência de desvios de verbas, obras
malfeitas e outras irregularidades na execução do orçamento secreto.
– Determinar a responsabilidade criminal de parlamentares,
servidores públicos e outros envolvidos em eventuais ilícitos.
Até agora, os inquéritos existentes sobre orçamento secreto
eram destinados apenas à apuração dos desvios de dinheiro nos locais de
destinação, como, por exemplo, prefeituras e estatais como a Companhia do
Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba (Codevasf) e Departamento
Nacional de Obras contra a Seca (DNOCS).
Coincidentemente, a Polícia Federal e o Ministério Público
Federal deflagraram, nesta segunda-feira, a segunda fase da Operação Overclean
para desarticular organização criminosa responsável por desvios no DNOCS, com
movimentação de recursos de 1,4 bilhão de reais. Foi nesta apuração que a
Polícia Federal flagrou a movimentação de mala de dinheiro com mais de 1 milhão
de reais, entre um dos investigados, citada por Dino na decisão.
Na decisão, Flávio Dino também determinou a suspensão do
pagamento das 5.449 emendas de comissão (RP 8) indicadas no Ofício nº
1.4335.458/2024, que totalizam R$ 4,2 bilhões, até que a Câmara cumpra as
seguintes determinações:
– Publicar em seu site, no prazo de 5 dias corridos, as
Atas das reuniões das Comissões Permanentes nas quais as emendas foram
aprovadas. Ao lado de cada emenda (RP 8) informada no Ofício nº
1.4335.458/2024, deve ser indicada a Ata exata em que consta a aprovação da
emenda, para cotejo. Cada Ata também deve indicar o meio que foi utilizado para
a sua publicidade na época de sua produção e aprovação.
– Encaminhar à Secretaria de Relações Institucionais
(SRI) do Poder Executivo, por ofício, cópia de todas as Atas das reuniões das
Comissões Permanentes. A Câmara deve informar nos autos o cumprimento da
determinação, com a indicação do link de acesso para as informações e cópia do
ofício enviado à SRI, para nova deliberação judicial.
O ministro da Secretaria de Relações Institucionais,
Alexandre Padilha, declarou em
entrevista à GloboNews nesta manhã que o governo cumprirá integralmente o
pedido para suspender o pagamento de 4,2 bilhões de reais em emendas.
Em seu despacho, Dino enfatizou também que a execução das
emendas parlamentares de 2025 só será possível após a conclusão de todas as
medidas já ordenadas pelo STF, incluindo a adequação dos portais de
transparência e o registro completo das informações sobre as emendas. Nesse
ponto, Dino faz uma cobrança não ao Legislativo, mas ao Executivo: o Ministério
da Saúde e os municípios devem agir para criar contas bancárias específicas
para o repasse das emendas fundo a fundo na saúde.
O relator também agendou audiências de conciliação para
fevereiro e março de 2025, com o objetivo de promover um diálogo institucional
produtivo sobre o tema.
*O jornalista Breno Pires é autor da primeira reportagem
sobre o orçamento secreto no jornal O Estado de S. Paulo
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