Ministro fica amarrado entre a direita que não quer
imposto e a esquerda que quer gasto
"Eu sei que esse discurso desagrada à esquerda e à
direita... porque um lado não quer contenção de gastos e outro não quer pagar
imposto. Aí, fica difícil, né. A direita não quer pagar os impostos que deve. A
esquerda não quer conter gastos. Como é que fecha as contas?".
Com aspecto de exausto e em tom desconsolado, foi
o que disse o ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, na entrevista coletiva que concedeu no dia 20 de dezembro.
O que o comando do PT e esquerda
em geral pensam dessas frases de Haddad? O ministro teria sido abduzido pela
direita, pela "Faria Lima"? Foi convertido à adoração do "deus
mercado" (como escreve nas redes tanta gente de poucas letras e números)?
Teria passado por lavagem cerebral em reuniões com donos do dinheiro grosso?
Haddad tenta implementar um programa de
esquerda razoável, dada a conjuntura. Goste-se ou não do que propõe, é um plano
que pode ser debatido em termos racionais e informados. No governo e na
esquerda, porém, o ministro perdeu o "debate interno", nome que se dá
a uma algaravia ignara e contraproducente até para os objetivos políticos mais
imediatos da esquerda.
Nem se trata aqui da ideia de muitos (todos?) economistas de
esquerda de que, quase em geral, aumentos de gasto público acabarão por
produzir crescimento do PIB e da
receita do governo bastantes para evitar crise financeira (alta sem limite
de juros e
da dívida, fuga de capitais, desvalorização da moeda, inflação etc.).
É ideia de fundamento duvidoso (em teoria, modelos, planos práticos ou mesmo
aritmética). O buraco é ainda mais para baixo, porém.
Muita gente tristemente desinformada, com faculdade,
"formadores de opinião", influenciadores da bolha culturete e até
amigos, acredita que "o mercado" (donos da maior parte da poupança
financeira) prega a contenção da dívida a fim de "tirar os pobres do
Orçamento" e ficar com o dinheiro.
De fato, a direita e quase qualquer rico (ou qualquer um)
querem pagar menos imposto. Mas, com dívida crescente, "o mercado"
fica com ainda mais dinheiro (até dar o fora do país).
Imagine-se que as contas do governo chegassem ao equilíbrio
ou perto disso, como em 2007: que a receita cobrisse o gasto total, inclusive
com juros. O governo precisaria de pouco ou nenhum empréstimo para as despesas
correntes. "O mercado" teria de se virar: emprestar a taxas menores
ao Tesouro ou também por prazos mais longos ou também mais ao setor privado, a
taxas relativamente menores.
Poderia ganhar com o aumento do volume, com a economia
crescendo mais.
Acredita-se ainda que, se o governo reduzisse na marra a
conta de juros, sobraria mais para "o social" ou o que seja. Não
sobra, além de criar mais problemas graves. A receita do governo não dá nem
para pagar despesas primárias (Previdência, servidores, Bolsa Família, saúde,
educação etc.). Os juros da dívida (e a rolagem, a renovação, da dívida antiga
que vence) são pagos com mais empréstimos, com mais dívida.
No momento, o aumento obrigatório da despesa é cronicamente
inviável, mesmo com alta sem limite de impostos, assim como é inviável a alta
da dívida e da despesa com juros. Estamos a caminho de recorde insustentável,
crise grave, o que Haddad chamou diplomaticamente de "desarranjo" no
dia 20.
Na próxima e última coluna do ano, apresento os números
desse desespero.
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