quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

ANO COMEÇA COM MAIS ATRITO ENTRE PODERES

Editorial Folha de S. Paulo

Veto correto de Lula à farra de emendas não muda o fato de que Executivo precisa do Legislativo se quiser conter gastos

Não houve trégua de Ano Novo no conflito que envolve os três Poderes em torno das despesas que deputados e senadores incluem, no mais das vezes em benefício próprio, no Orçamento federal —as famigeradas emendas parlamentares.

No apagar das luzes de 2024, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PTsancionou a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) com vetos que atingem diretamente interesses dos partidos representados no Congresso. No mérito, as decisões foram corretas.

Saiu do texto o dispositivo, aprovado pelos congressistas, que impedia o bloqueio de verbas destinadas a emendas individuais e de bancada em caso de necessidade de contenção de gastos. Fora dessa hipótese, essas rubricas continuam sendo de execução impositiva.

Emendas atingiram valores aberrantes. Foram R$ 47,9 bilhões em 2024, dos quais R$ 33,6 bilhões nas modalidades impositivas. Limitar a contenção dessas despesas —em geral, de péssima qualidade, sem atenção a critérios de prioridade e transparência— dificultaria o já precário programa de ajuste das contas públicas e forçaria cortes mais profundos em outros setores.

Outro veto de Lula atingiu o fundo partidário, que, como o nome indica, direciona recursos para o custeio das legendas. A regra aprovada pelo Congresso, que adotava como base a correção dos valores fixados em 2016, permitira um aumento em relação ao R$ 1,33 bilhão previsto na proposta do governo.

Nesse caso as cifras são pequenas diante das dimensões do Orçamento, mas há um princípio em jogo. O fundo de sustentação dos partidos políticos —que deveriam buscar filiados, em vez de depender do dinheiro do contribuinte— cresceria mais que o total dos demais programas da Justiça Eleitoral, o que caracterizaria uma iniquidade.

As razões não mudam o fato, porém, de que o governo Lula precisará dos votos do Congresso se quiser aprofundar o controle dos gastos federais e reduzir o risco de uma crise econômica anunciado pelo dólar acima de R$ 6. Tampouco as decisões do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, que amparam vetos de Lula, mudam esse quadro.

O governo é politicamente frágil, dadas a vitória por margem mínima na eleição presidencial, a predominância de forças ao centro e à direita no Congresso e a decisão de privilegiar petistas e seus satélites na composição do primeiro escalão federal.

Apesar do aumento inaudito de gastos públicos, a aprovação da gestão do mandatário entre os brasileiros aptos a votar (35%) é quase idêntica à reprovação (34%), segundo pesquisa realizada em dezembro pelo Datafolha.

A batalha para disciplinar as emendas parlamentares é de interesse de todo o país. Lula ajudaria a causa se desse um exemplo de austeridade orçamentária e se dividisse poder em uma coalizão partidária mais sólida. A saída para o conflito é política.

Bookmark and Share

Nenhum comentário:

Postar um comentário