quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

COM APREENSÃO, MUNDO AGUARDA DECISÕES DE TRUMP

Editorial Valor Econômico

O sistema de pesos e contrapesos dos EUA será testado até seu limite - para o bem da democracia global, espera-se que resista

O ano de 2025 começa sob o signo de Donald Trump. Ao tomar posse na Presidência da maior economia e maior potência militar do mundo, em 20 de janeiro, suas decisões marcarão os rumos globais já no curto prazo. Os acordes iniciais, expressos nos desejos e ações manifestadas antes da posse, mostram uma melodia ruidosa para o futuro. Trump externou sua vontade imperial de governar os destinos do mundo, disparando ameaças e ultimatos para aliados e adversários, supostos ou reais. Sua equipe foi escolhida a dedo desta vez, e composta por aliados fiéis, cuja marca comum é a obediência a um chefe cuja coerência de propósitos é instável. As tensões geopolíticas estão com forte viés de alta.

As políticas ou aspirações de Trump sugerem fortes turbulências econômicas nos mercados mundiais. Seu desejo de elevar tarifas, em primeiro lugar de seus maiores parceiros comerciais - México, Canadá, União Europeia -, não faz sentido, e os que lhe atribuem aura de estadista afirmam que as ameaças tarifárias não são para valer - são “transacionais”, como dizem, e visam a obter concessões aos EUA.

Trump ordenou à UE que compre mais petróleo e gás americanos se quiser escapar de impostos de importação. A exigência é descabida à luz das regras do comércio internacional, que o presidente eleito americano desrespeitou em seu primeiro mandato, e é anacrônica: com o corte do fornecimento russo após a invasão da Ucrânia, a Europa já se dirigiu ao mercado americano para abastecer-se de energia.

O acesso ao maior mercado consumidor do mundo estará condicionado às idiossincrasias de Trump. O aumento generalizado de tarifas elevará os preços nos EUA, obrigará o Fed (o banco central americano) a cortar menos os juros, ou até elevá-los novamente, fortalecerá o dólar e retirará competitividade dos exportadores americanos. O enorme déficit comercial, que se aproxima de US$ 1 trilhão, não deverá cair, como quer Trump, mas subir.

Outras peças da política econômica parecem igualmente desajustadas. A manutenção dos cortes de impostos do primeiro mandato, que expiram em 2025, é certa. Trump pretende reduzir os impostos sobre empresas a 15%, adicionando mais US$ 7,5 trilhões em dez anos à divida de US$ 36 trilhões do país. Os credores - um dos grandes é a China - tenderão a exigir mais juros para a rolagem do débito, e será interessante ver como agirá, desta vez do outro lado do balcão, o bilionário secretário do Tesouro, Scott Bessent, ex-operador do fundo de George Soros e criador do hedge fund Key Square Capital Management. Os hedge funds estão entre os mais agressivos operadores dos mercados globais.

O corolário de EUA em primeiro lugar e a agenda isolacionista de Trump querem subordinar os demais países a sua vontade mutante. Trump disse ao governo panamenho, de repente, que pode querer de volta o Canal do Panamá, se o país beneficiar a China. Mostrou o desejo de comprar a Groenlândia, território administrado pela Dinamarca. Ameaçou o Brics caso queira livrar-se da dependência do dólar em suas transações. Afirmou que o orçamento da Otan, da qual sempre ameaça se retirar, deveria ser dobrado.

O mundo tornou-se mais perigoso com a explosão de conflitos militares, como a invasão da Ucrânia pela Rússia. O Oriente Médio vive mudança do mapa de poder com as incursões de Israel em Gaza, Líbano, Iêmen, Síria e Irã. Trump escolheu para encarar esses desafios o ex-apresentador da CNN e ex-oficial de infantaria Pete Hegseth. “Pete é durão, inteligente e um verdadeiro crente no America First”, escreveu Trump ao nomeá-lo. E isso basta.

Trump disse que acabará rapidamente com a guerra na Ucrânia, possivelmente cortando a ajuda militar ao último e fazendo acordo com o presidente russo, Vladimir Putin, a quem admira, entregando-lhe territórios.

Na política doméstica, Trump prometeu prosseguir sua obra de destruição das instituições. Disse que no primeiro dia de seu novo mandato libertará os “patriotas” condenados por tentarem impedir à força a posse de um presidente eleito, Joe Biden, em 6 de janeiro, além de usar o FBI para perseguir seus adversários e o Exército para caçar imigrantes ilegais.

Trump faz o contrário do que se espera de um estadista. Suas ações são intempestivas, quando regras e previsibilidade baseiam o funcionamento da sociedade e dos mercados. Sua vitória, à primeira vista, o teria tornado inexpugnável, mas não é assim. Com maioria na Câmara e no Senado, Trump poderá ver rebeliões dos republicanos moderados. Isso aconteceu quando ele e Elon Musk tentaram eliminar o teto de endividamento do governo e pôr abaixo um acordo com os democratas para evitar um shutdown. Foram derrotados com a debandada de 35 republicanos a favor do controle de gastos. A pequena margem de vantagem nas duas Casas pode transformar pequenas defecções em grandes derrotas do Executivo.

Após a eleição de meio de mandato, Trump caminhará para o fim de sua carreira política, abrindo disputa sucessória que não lhe facilitará a vida no Congresso. Por isso, deverá ter pressa agora. O sistema de pesos e contrapesos dos EUA será testado até seu limite - para o bem da democracia global, espera-se que resista.

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