O sistema de pesos e contrapesos dos EUA será testado
até seu limite - para o bem da democracia global, espera-se que resista
O ano de 2025 começa sob o signo de Donald Trump. Ao tomar
posse na Presidência da maior economia e maior potência militar do mundo, em 20
de janeiro, suas decisões marcarão os rumos globais já no curto prazo. Os
acordes iniciais, expressos nos desejos e ações manifestadas antes da posse,
mostram uma melodia ruidosa para o futuro. Trump externou sua vontade imperial
de governar os destinos do mundo, disparando ameaças e ultimatos para aliados e
adversários, supostos ou reais. Sua equipe foi escolhida a dedo desta vez, e
composta por aliados fiéis, cuja marca comum é a obediência a um chefe cuja
coerência de propósitos é instável. As tensões geopolíticas estão com forte
viés de alta.
As políticas ou aspirações de Trump sugerem fortes
turbulências econômicas nos mercados mundiais. Seu desejo de elevar tarifas, em
primeiro lugar de seus maiores parceiros comerciais - México, Canadá, União
Europeia -, não faz sentido, e os que lhe atribuem aura de estadista afirmam
que as ameaças tarifárias não são para valer - são “transacionais”, como dizem,
e visam a obter concessões aos EUA.
Trump ordenou à UE que compre mais petróleo e gás americanos
se quiser escapar de impostos de importação. A exigência é descabida à luz das
regras do comércio internacional, que o presidente eleito americano
desrespeitou em seu primeiro mandato, e é anacrônica: com o corte do
fornecimento russo após a invasão da Ucrânia, a Europa já se dirigiu ao mercado
americano para abastecer-se de energia.
O acesso ao maior mercado consumidor do mundo estará
condicionado às idiossincrasias de Trump. O aumento generalizado de tarifas
elevará os preços nos EUA, obrigará o Fed (o banco central americano) a cortar
menos os juros, ou até elevá-los novamente, fortalecerá o dólar e retirará
competitividade dos exportadores americanos. O enorme déficit comercial, que se
aproxima de US$ 1 trilhão, não deverá cair, como quer Trump, mas subir.
Outras peças da política econômica parecem igualmente
desajustadas. A manutenção dos cortes de impostos do primeiro mandato, que
expiram em 2025, é certa. Trump pretende reduzir os impostos sobre empresas a
15%, adicionando mais US$ 7,5 trilhões em dez anos à divida de US$ 36 trilhões
do país. Os credores - um dos grandes é a China - tenderão a exigir mais juros
para a rolagem do débito, e será interessante ver como agirá, desta vez do
outro lado do balcão, o bilionário secretário do Tesouro, Scott Bessent,
ex-operador do fundo de George Soros e criador do hedge fund Key Square Capital
Management. Os hedge funds estão entre os mais agressivos operadores dos
mercados globais.
O corolário de EUA em primeiro lugar e a agenda
isolacionista de Trump querem subordinar os demais países a sua vontade
mutante. Trump disse ao governo panamenho, de repente, que pode querer de volta
o Canal do Panamá, se o país beneficiar a China. Mostrou o desejo de comprar a
Groenlândia, território administrado pela Dinamarca. Ameaçou o Brics caso
queira livrar-se da dependência do dólar em suas transações. Afirmou que o
orçamento da Otan, da qual sempre ameaça se retirar, deveria ser dobrado.
O mundo tornou-se mais perigoso com a explosão de conflitos
militares, como a invasão da Ucrânia pela Rússia. O Oriente Médio vive mudança
do mapa de poder com as incursões de Israel em Gaza, Líbano, Iêmen, Síria e
Irã. Trump escolheu para encarar esses desafios o ex-apresentador da CNN e
ex-oficial de infantaria Pete Hegseth. “Pete é durão, inteligente e um
verdadeiro crente no America First”, escreveu Trump ao nomeá-lo. E isso basta.
Trump disse que acabará rapidamente com a guerra na Ucrânia,
possivelmente cortando a ajuda militar ao último e fazendo acordo com o
presidente russo, Vladimir Putin, a quem admira, entregando-lhe territórios.
Na política doméstica, Trump prometeu prosseguir sua obra de
destruição das instituições. Disse que no primeiro dia de seu novo mandato
libertará os “patriotas” condenados por tentarem impedir à força a posse de um
presidente eleito, Joe Biden, em 6 de janeiro, além de usar o FBI para
perseguir seus adversários e o Exército para caçar imigrantes ilegais.
Trump faz o contrário do que se espera de um estadista. Suas
ações são intempestivas, quando regras e previsibilidade baseiam o
funcionamento da sociedade e dos mercados. Sua vitória, à primeira vista, o
teria tornado inexpugnável, mas não é assim. Com maioria na Câmara e no Senado,
Trump poderá ver rebeliões dos republicanos moderados. Isso aconteceu quando
ele e Elon Musk tentaram eliminar o teto de endividamento do governo e pôr
abaixo um acordo com os democratas para evitar um shutdown. Foram derrotados
com a debandada de 35 republicanos a favor do controle de gastos. A pequena
margem de vantagem nas duas Casas pode transformar pequenas defecções em
grandes derrotas do Executivo.
Após a eleição de meio de mandato, Trump caminhará para o
fim de sua carreira política, abrindo disputa sucessória que não lhe facilitará
a vida no Congresso. Por isso, deverá ter pressa agora. O sistema de pesos e
contrapesos dos EUA será testado até seu limite - para o bem da democracia
global, espera-se que resista.
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