AVANÇO CHINÊS EM IA MUDA O JOGO

Hélio Schwartsman, Folha de S. Paulo

Após sucesso da DeepSeek, EUA terão de repensar sua estratégia em geopolítica e investimentos

Donald Trump ainda celebrava sua vitória sobre Gustavo Petro, da Colômbia, quando sentiu o golpe. Ações de empresas de chips, como a Nvidia, derreteram depois que o mercado acordou para os avanços dos chineses na inteligência artificial (IA) —o front que realmente importa.

A DeepSeek não precisou de muito mais que um ano para passar de obscura startup chinesa para empresa que concorre com gigantes da IA, como OpenAI, Google e Meta. Sua façanha foi oferecer um modelo de IA gerativa tão eficiente quanto os das empresas líderes, mas a um custo incrivelmente menor.

A última versão do programa da DeepSeek foi treinada por US$ 6 milhões, contra US$ 100 milhões do modelo da OpenAI. E demanda só uma fração da energia necessária para alimentar o ChatGPT. Ainda mais impressionante, os chineses fizeram isso sem ter acesso a chips avançados.

Da geopolítica aos investimentos, a façanha da DeepSeek muda tudo. Vai por água abaixo a estratégia dos EUA de manter hegemonia tecnológica bloqueando o acesso dos chineses a chips avançados, de menos de 3 nanômetros. Assessores de Trump ligados à tecnologia já falam em momento Sputnik.

Os americanos vão ter agora de correr. Também devem pôr as barbas de molho aqueles que apostavam principalmente na miniaturização de chips ou em energia verde para mover data centers cada vez mais eletrointensivos. A DeepSeek mostrou que existem outros caminhos para fazer a IA avançar.

Não custa lembrar que é a tecnologia que determina vencedores e perdedores. Os EUA não triunfaram na Guerra Fria por causa dos discursos de Reagan contra o eixo do mal, mas porque a URSS ficou para trás na corrida tecnológica. Ela até ia bem na área aeroespacial, mas era um desastre em informática e agricultura. Gorbatchov abriu o regime porque não conseguia competir.

E, se é verdade que riqueza são ideias (humanas), então a China parece mais bem posicionada do que os EUA para avançar. Tem uma população quatro vezes maior e uma educação básica de melhor qualidade.